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E agora?
Ao longo dos últimos seis meses o mundo foi dominado pelas consequências da invasão da Ucrânia.
Começámos por olhar quase exclusivamente para a sua dimensão militar. Em paralelo a dimensão humanitária assumiu relevância. Mais recentemente as consequências económicas tornaram-se dominantes.
De qualquer forma, tudo isto pareceu conter-se numa certa “normalidade da guerra”.
Nesta “normalidade” a dimensão política parecia sempre ser postergada para um plano secundário. Como se fosse possível existir guerra sem motivações políticas.
Quase que íamos sendo convencidos que a guerra se ficava a dever a uma ambição territorial/imperial da Rússia, a uma certa reconquista da soberania sobre um território que historicamente pertenceria ao agora invasor.
Por pouco não fomos convencidos que aquela era uma guerra com as mesmas motivações que Portugal poderia encontrar para invadir Espanha e partir à reconquista de Olivença.
É justo dizer que alguns perceberam, desde o início, que assim não era e agiram em conformidade: a Finlândia, a Suécia, Olaf Scholz, Ursula von der Leyen e Joe Biden.
E, julgo, este mês de Setembro veio dar-lhes razão.
A guerra ganhou uma dimensão política e ideológica que, até agora, não tinha sido expressa.
Julgo que em vários discursos se vislumbraram as divergências entre um modelo liberal e democrático de governo e um modelo autoritário, ou, como agora se diz, iliberal.
Pareceu-me, também, que de uma vez por todas foi assumido que existe um confronto entre blocos políticos, em ordem a saber quem é que tem força e capacidade para estabilizar o mundo.
Porventura a Ucrânia, e o seu povo, são apenas os mártires, neste primeiro quartel do século XXI, do confronto entre a luz e as trevas que nos acompanha desde o Iluminismo.
Talvez agora todos percebam que o que está em causa não é a Ucrânia. O que está em causa é o nosso modo de vida colectivo. Talvez agora todos percebam que a dimensão da mesa do Kremlin tinha o valor simbólico da distância entre dois modos opostos e imiscíveis de sociedade.
* Gestor
IN "O JORNAL ECONÓMICO" - 23/09/22.
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