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Os analfabetos do século XXI não serão aqueles que não sabem ler, nem escrever, mas aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender
Em plena época de exames nacionais de acesso ao ensino superior as famílias começam a organizar-se, a delinear estratégias e a tentar perceber quais as reais hipóteses de ingresso no tão sonhado curso.
Enquanto cidadã, docente do ensino superior e mãe, este frenesim leva-me a meditar sobre qual a posição da universidade e qual o seu papel na formação de profissionais competentes, íntegros, dotados de espírito de missão e sentido de propósito na sociedade. E não há como fazê-lo sem que se pergunte: quem são os jovens que vão ingressar pela primeira vez no ensino superior?
Verifico que os visados são genericamente jovens nascidos no ano de 2004, a geração que a sociologia rotulou de ‘geração Z’, os ‘nativos digitais’, para quem a tecnologia é experimentada como um prolongamento de si mesmo. É uma geração que cresceu ao som do impacto da crise financeira e das medidas de austeridade aplicadas; que viveu a incerteza e a insegurança causadas por uma crise sanitária; é a geração que agora assiste, com perplexidade, ao eclodir de um conflito armado na Europa.
E o que esperam os futuros candidatos ao ensino superior?
Da minha experiência, constato que olham para a universidade como o prolongamento natural do ensino secundário. Esperam uma universidade ao serviço de um utilitarismo existencial, e não tanto centros de saber erudito. Esperam a continuidade de um acompanhamento paternalista; a máxima previsibilidade e, em especial, estão firmemente convictos que o foco do ensino e do estudo é a avaliação.
É fundamental que o estudante universitário recém colocado entenda rapidamente que a universidade constitui uma antecâmera da vida profissional, para a qual procura prepará-lo e que a vida real não se compadece com uma atitude de passividade, cristalizações ou modelos rígidos. Pelo contrário, a realidade é por natureza dinâmica e imprevisível. Os acontecimentos sucedem-se a um ritmo alucinante e não há como manter o pensamento mágico segundo o qual o papel da universidade é catalogar a realidade de modo a que aquando da entrada no mercado de trabalho seja possível ao profissional antecipar todos os cenários.
Lembrando a famosa declaração proferida pelo escritor Alvin Toffler, “os analfabetos do século XXI não serão aqueles que não sabem ler, nem escrever, mas aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender”. É este o desafio da educação no ensino superior e interiorizar esta visão é vital para o sucesso.
É certo que a universidade tende a ceder às expectativas dos candidatos. Mas é preciso resistir ao facilitismo, sem nos demitirmos da responsabilidade de contribuir com seriedade para a formação de jovens dotados de pensamento critico, de poder de argumentação, que não se conformam com soluções prontas que aprisionam a realidade e lhes alimenta uma quimera de segurança e controlo.
Se assim não for, corremos o risco de compactuar com o que pode designar-se por fraude social. O impacto na sociedade será catastrófico, com um exército de licenciados formados para a mediania e impreparados para evoluir. Só uma elite diferenciada entenderá e viverá algo diferente, mas o preço será elevadíssimo.
Nessa altura, quando os nossos jovens entenderem com clareza o potencial transformador que carregam, certamente, algum deles gritará com ousadia, tal como na conhecida estória infantil do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen – ‘O REI VAI NÚ!’
* Exerceu advocacia e desempenhou funções docentes na Universidade Lusíada do Porto (1996-2000). Actualmente é docente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (desde 1998).
IN "iN" - 06/07/22.
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