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O crescimento da agressividade do discurso de Bolsonaro já está a ter efeitos. Há poucos dias, um apoiante seu invadiu uma festa de aniversário de um apoiante de Lula e assassinou-o.
O comité especial do Congresso sobre os acontecimentos de 6 de janeiro de 2021 continua a revelar informação para perceber a evolução iliberal da democracia. Sabemos que havia um plano para aquele dia, sabemos que Donald Trump e a sua equipa próxima desempenharam um papel. Sabemos que não importava a verdade nem os resultados das eleições, importava o poder.
Trump planeou aquele dia, desde que começou a levantar suspeitas sobre o sistema de voto, passando pelo não reconhecimento da vitória do seu opositor e, por fim, para a invasão do Capitólio e fazer ‘a revolução’.
Em outubro de 2020, algumas semanas antes das eleições, Steve Bannon explicou o plano a bordo do iate do bilionário chinês Guo Wengui. Disse que Trump não reconheceria uma vitória do adversário, declararia vitória e exigiria que se parasse a contagem. Afirmou que Trump estava disposto a fazer «coisas loucas». Bannon estava a ser gravado e a gravação veio agora a público.
Ora, o que tem isto a ver com o Brasil? Tudo! O Presidente brasileiro, Jair Messias Bolsonaro é um conhecido admirador de Trump e sabe, tanto quanto Trump sabia, que as sondagens o dão como previsível derrotado nas eleições do próximo dia 2 de outubro. Tem uma taxa de rejeição de 55%, isto é, de brasileiros que dizem não votar nele em qualquer circunstância.
Perante este cenário, Bolsonaro parece já ter começado a ensaiar o seu próprio cenário alternativo. Espalha rumores sobre fraudes eleitorais, afirmou que «apenas Deus» o pode tirar da presidência (está numa disputa pública com o Tribunal Superior Eleitoral) e pediu aos seus apoiantes que o apoiem. Cria-se o caldo de cultura para extremar posições.
O crescimento da agressividade do discurso de Bolsonaro já está a ter efeitos. Há poucos dias, um apoiante seu invadiu uma festa de aniversário de um apoiante de Lula e assassinou-o.
O Presidente brasileiro veio a público dizer que não aceita apoiantes que usem de violência contra os adversários, mas, a espiral confrontacional verbal tem consequências no ‘mundo real’, tornando difícil ‘pôr génio novamente na lâmpada’.
O extremar de posições na política brasileira não constitui novidade. A aliança que promoveu o impeachment de Dilma Rousseff e a eleição de Bolsonaro extremou um ambiente político singular, esvaziando os partidos tradicionais do centro brasileiro, PSDB e MDB (antes PMDB).
As sondagens mais recentes dão uma intenção de voto de 47% a Luiz Inácio Lula da Silva e 28% a Jair Messias Bolsonaro, apontando apenas 8% a Ciro Gomes. O candidato moderado, de centro-esquerda, mesmo com 4 anos de estrada e de candidatura, não consegue ter espaço, perante o atual cenário de polarização absoluta do cenário político.
Ainda que Bolsonaro não tenha um plano ou que as instituições brasileiras resistam a uma tentativa de golpe, não se vê como se possa construir um novo equilíbrio político que dê solidez ao governo do Brasil. O cenário político está inquinado, assim como o dos EUA, impedindo o diálogo essencial que qualquer Governo necessita. As reformas duradouras necessitam de entendimentos.
Será este o novo normal nas democracias? O fim do centro e a polarização absoluta? A ingovernabilidade? A radicalização maniqueísta dos que se querem impor independentemente das escolhas dos eleitores?
Se eu fosse brasileiro estaria muito preocupado…
* Cronista
IN "SOL" - 20/07/22.
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