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Fica um alerta: seria importante estimular os estudos sobre o sistema eleitoral angolano e não apenas a forma como decorre o acto eleitoral em si.
Nos próximos cinco meses, ao longo período eleitoral angolano que culminará com a publicação dos resultados finais das eleições gerais, irei debruçar-me sobre a realidade eleitoral angolana, através de textos curtos, e uma vez por mês, neste meu “cantinho de escrita” no Jornal Económico.
Qualquer eleitor angolano deveria perceber que quando está a exercer o seu direito de voto acaba por estar a ser submetido ao efeito dos gémeos siameses (classificação já apresentada por nós em outros textos). Isto é, um eleitor angolano possui, por imperativo legal, um único voto para eleger os dois cabeças de lista (os números um e dois são os candidatos à presidência e à vice-presidência, respectivamente) e os deputados angolanos (os deputados provinciais e nacionais). Deste modo, os dois órgãos políticos e de soberania nascem do mesmo acto eleitoral, tal como gémeos siameses que chegam ao mundo através do mesmo parto.
Em eleições conjuntas, presidenciais e legislativas, que ocorrem, por exemplo, nos EUA e no Brasil, e em Angola, até às eleições de 1992, um cidadão tem direito a dois votos: um para eleger os membros do poder legislativo e outro para eleger o Presidente. Por exemplo, nas eleições de 1992, o MPLA obteve x votos e o seu respectivo candidato alcançou x de votos. Em razão de os eleitores angolanos deterem dois boletins de voto.
Na vigência da Constituição angolana de 2010 (a CRA de 2010), o que o cidadão passou a participar numa única eleição geral sendo-lhe disponibilizado um único boletim de voto. Esta alteração agravou a incompreensão por parte do cidadão angolano quanto às questões referentes ao sistema eleitoral angolano.
Hoje, se for questionado sobre a finalidade das eleições gerais, o cidadão-médio dificilmente responderá satisfatoriamente – i.e. que o acto eleitoral compreende um conjunto de actos eleitorais que têm lugar no mesmo dia e em simultâneo. Assim, somos da opinião que a simplificação do conceito de eleições gerais amplia substancialmente o desconhecimento e a percepção geral sobre as eleições angolanas. Por isso, o debate pós-eleitoral angolano esgota-se no debate sobre a forma como se organizam e decorrem as eleições, visando-se, nomeadamente, apurar se foram justas, livres e transparentes, sendo colocada de parte a análise técnica dos seus efeitos.
A nossa primeira preocupação técnica prende-se com a prestação de informações ao cidadão-eleitor angolano sobre o efeito do seu voto. O que significa que ao votar nas eleições gerais gera um fenómeno dos gémeos siameses, recebendo um bónus.
Este facto provoca um conjunto de problemas práticos e até técnicos, a saber: i) os cabeças de lista são apresentados nas listas de todos os partidos, junto ao Tribunal Constitucional de Angola, como candidatos aos cargos de Presidente e de Vice-Presidente da República, mas em caso de derrota estes candidatos podem acabar por ocupar, apenas, o lugar de deputados; ii) os cabeças de lista estão numa situação de dupla candidatura, enquanto candidatos às eleições presidenciais e legislativas, acabando por beneficiar de um tratamento privilegiado face aos demais membros da lista; e iii) o eventual “suicídio” do Presidente, através do recurso à auto-demissão conduz à “morte” do parlamento angolano.
Portanto, o efeito de gémeos siameses nas eleições gerais angolanas provoca um conjunto de efeitos de ordem política e uma (in)compreensão generalizada do sistema eleitoral. Por isso, seria importante estimular os estudos sobre o sistema eleitoral angolano e não apenas a forma como decorre o acto eleitoral em si.
* Investigador angolano no Instituto Superior de Ciências Sociais e Relações Internacionais
IN "O JORNAL ECONÓMICO" - 24/05/22.
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