04/05/2022

JOÃO ALMEIDA MOREIRA

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O Bolsonaro anabolizado

José Dirceu, preso na ditadura, é amigo íntimo de Lula da Silva. Foi seu braço direito no governo. E presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) por sete anos. Até ser substituído na liderança do partido por José Genoíno, em 2002, outro membro do círculo pessoal de Lula e figura histórica da esquerda brasileira, detido no combate ao regime militar.

Entretanto, os dois, Dirceu e Genoíno, passaram, em 2012, do respeitado estatuto de "presos políticos" à condição desprezada de "políticos presos", ao serem condenados por corrupção ativa e formação de quadrilha no Mensalão - compra de votos de deputados pelo governo através do pagamento de mensalidades com dinheiro público.

Na altura da prisão, a presidente do Brasil era Dilma Rousseff, também ela próxima dos dois e de Lula e por anos presa nas masmorras da ditadura militar.

Nem por um instante, ocorreu a Dilma, no entanto, usar a prerrogativa presidencial do "indulto" ou "graça" para libertar os aliados logo após a sentença do Supremo Tribunal Federal (STF). Não usou, nem foi elogiada por não ter usado. Porque, ao acatar a decisão judicial, se limitou a cumprir o elementar princípio republicano do respeito pela separação dos poderes, um princípio muito velho, tão velho como Montesquieu.

Afinal, o Brasil não é uma república das bananas.

Ou não era: Dilma não foi elogiada em 2012 mas foi elogiada retroativamente por estes dias, 10 anos depois, porque Jair Bolsonaro resolveu conceder uma "graça" a um deputado amigo no dia seguinte a 10 dos 11 juízes do STF o condenarem a mais de oito anos de prisão.

Num novo exemplo de que o Brasil se transformou numa república das bananas - ou Bolsonaristão - o presidente da República desafiou outro poder e limpou o cadastro de Daniel Silveira, condenado por apologia ao ato institucional número cinco, decreto de 1968 que estabeleceu a censura, a tortura e a perda dos mandatos dos eleitos durante a ditadura, e ameaças aos juízes do STF.

Bolsonaro, um ex-militar, talvez tenha visto em Silveira, um ex-polícia, uma representação sua enquanto jovem.

Um, Bolsonaro, foi expulso do exército e chamado de mau militar por Ernesto Geisel, general e presidente da República. Outro, Silveira, teve 60 sanções disciplinares na polícia por, entre outras faltas, ter apresentado atestados falsos para não trabalhar.

São os dois preguiçosos: em quatro anos de atividade como deputado, Silveira propôs um projeto de lei - trabalhou, portanto, um de 1460 dias; o parlamentar Bolsonaro fez aprovar dois, em 28 anos no Congresso Nacional, um a cada 14 anos.

E os dois perceberam que para serem eleitos basta manter um nicho do eleitorado animado por frases ou atitudes de efeito. Enquanto Bolsonaro atacava negros, indígenas e homossexuais, dizia que não violava uma deputada só porque ela era feia, criticava a ditadura brasileira por ter matado pouco e ameaçava o antigo presidente Fernando Henrique Cardoso com fuzilamento, Silveira tornou-se famoso por quebrar ao meio uma placa em homenagem a Marielle Franco, vereadora carioca executada pelas milícias, a máfia carioca.

Silveira, um deputado musculoso e descerebrado, não passa, no fundo, de uma versão anabolizada de Bolsonaro.

* Jornalista, residente em São Paulo (Brasil)

IN "DINHEIRO VIVO" - 04/05/22.

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