24/05/2022

BRUNO BATISTA

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Há metadados que

 provem incompetência 

 Somos levados a pensar que somos livres de ligar e pesquisar o que bem entendermos no nosso telemóvel, que os metadados (a georreferenciação, por exemplo) até ajudaram a resolver crimes de sangue bem recentes 

 O tema é requentado, mas a polémica em torno dele parece estar para durar! Falo de metadados, ou melhor do rasto que deixamos quando tentamos ou fazemos comunicações ou usamos tráfego nos nossos telemóveis e que as operadoras armazenam durante um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal.

Visto assim, somos levados a pensar que não é problema, que somos livres de ligar e pesquisar o que bem entendermos no nosso telemóvel, que os metadados (a georreferenciação, por exemplo) até ajudaram a resolver crimes de sangue bem recentes. Acresce a isto o facto de o tema ter sido introduzido no nosso ordenamento jurídico por proposta da União Europeia.

Mas, não é assim tão simples, se pensarmos que o Tribunal Constitucional tornou público no final de abril um acórdão onde considera a “Lei dos Metadados” inconstitucional, porque entre outros aspetos se centra na violação do direito de privacidade dos cidadãos. Ou seja, a Lei 32/2008 não visa apenas pessoas suspeitas de crimes, mas sim todos os cidadãos. Até aqui, confesso, não me assusta e até consigo perceber a existência da lei, aos olhos de quem somos todos iguais. Mas, então…porque só agora, em 2022, uma lei de 2008 é considerada inconstitucional pelo mais alto Tribunal do sistema judicial de Portugal e o único Tribunal português cujas decisões são definitivas e inapeláveis?

Inércia do governo? Eventualmente, digo eu. Afinal, o Tribunal de Justiça da União Europeia determinou em 2014 que a lei era inválida, uma vez que “infringia no direito fundamental ao respeito pela vida privada e à proteção de dados pessoais”. Isto em 2014. Mas, estamos em 2022 e Portugal só agora se deu conta?

Até poderia ter sido, mas em 2019 a Provedora de Justiça chamou à atenção para a situação. Sobre este tema a então ministra da Justiça defendeu a constitucionalidade da lei e acrescentou que “a decisão do Tribunal de Justiça da UE não deverá afetar as investigações nacionais” e que não haveria tempo para mudar a lei antes das eleições legislativas de outubro de 2019. Portanto… falta de tempo! Como o tempo não se perde, mas gasta-se agora temos o tema em cima da mesa e uma situação gravíssima em democracia, uma vez que poderemos ter penas anuladas – algumas derivadas de crimes de sangue e que foram justificadas com recurso a metadados –, poderemos ter processos que se arrastam há anos – e cuja acusação de sustenta também em metadados – arquivados(?). No meio de todo este caos o Presidente da República já fez saber que vai solicitar ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da nova lei, que o Governo deverá apresentar até junho, sobre os prazos e condições para armazenamento de metadados das comunicações. O objetivo: “ficar tudo clarinho”. Enquanto isso o gabinete de cibercrime da PGR veio informar que afinal há um “nicho normativo” que continua a permitir que as investigações criminais acedam a metadados.

Apetece dizer que é Portugal no seu melhor. Temos uma casa da democracia onde a profissão “jurista” impera em todos os partidos, mas depois temos situações como esta que só demonstram um Portugal a reboque não sei muito bem do quê ou de quem. Tudo isto é estranho, mas tudo isto existe num país que ocupa o 32.º lugar no Índice de Perceção da Corrupção de 2021, publicado pela Transparency International, o que significa que o nosso país continua abaixo dos valores médios da União Europeia e da Europa Ocidental.

* CEO & Idea maker do grupo GCI, consultor de comunicação e opinador nos tempos livres

IN "VISÃO" - 20/05/22.

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