19/01/2022

DANIEL DEUSDADO

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SNS acabou com centro:

esquerda vai ganhar

Depois do debate, se tivesse de escolher entre PS e PSD, o ponto decisivo seria este: prefiro o SNS de António Costa aos seguros de saúde de Rui Rio. O simples facto de existir o SNS para uma situação complexa é um bem inalienável. A alternativa de Rio, ao querer mudar o "tendencialmente gratuito" do SNS, geraria isto: quase todos que pagamos impostos teríamos de acumular um seguro privado para a hipótese de uma doença grave, porque a fatura também passaria a surgir vinda de um hospital público. E ninguém controla quanto vai pagar à entrada de um hospital. Uma bomba sobre a classe média.

Com o fim da gratuitidade tendencial do SNS, o PSD ofereceria às companhias de seguros uma receita potencial de centenas de milhões de euros porque, tendencialmente, milhões de pessoas teriam de ponderar a compra de uma cobertura para risco de doença súbita ou hospitalização prolongada. Mesmo quem tem hoje um seguro de saúde para cuidados básicos ou médios, precisaria de pagar mais - muito mais.

Pôr a classe média a pagar o SNS seria um golpe terrível e insensato do PSD. O SNS é talvez a melhor razão para justificar os impostos. Se Rio tira o "seguro SNS" à classe média, então, é melhor atirar a toalha ao chão e amaldiçoar-se a cobrança fiscal. Resta com qualidade o quê? A máquina fiscal de excelência?

E outro facto: Rui Rio não assimilou ainda o falhanço dos mercados financeiros quanto à gestão de poupanças de sobrevivência. Não é certo que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social gira melhor o dinheiro de quem faz descontos, face a fundos privados. Só que está em causa uma coisa diferente: o facto de o dinheiro estar na esfera pública significa um seguro implícito contra tragédias nos mercados - sempre possíveis. Rio assume esta semiprivatização como sempre defendeu, mas a coerência de uma vida não tem só virtudes - também sublinha teimosias ideológicas nunca abandonadas. Nem depois de uma pandemia. Nem depois do colapso dos mercados de 2008.

Na TAP, Costa diz o óbvio: a empresa teria falido porque o sr. Nielmann colapsou de imediato. Todavia, o modelo de aviação atual concentra, necessariamente, contradições: um "hub" em Lisboa, pago pelo país todo, e bilhetes mais baratos em Espanha (contra a Ibéria) do que em Portugal. Rio é contra estas leis de mercado? No entanto, aqui já não há divergências entre PS e PSD: ambos vendem a TAP à Lufthansa amanhã, se puderem.

De qualquer forma, a única hipótese de António Costa sair bem desta eleição é conseguir o milagre da maioria PS com PAN+Livre. Rui Tavares acrescentou até o PEV à composição, o que seria uma fórmula de emergência para meter dentro mais deputados de esquerda - isto sem obrigar o PCP a ir na viagem. Entretanto, como disse Costa, isto não é perigoso porque Marcelo fiscaliza - há seis anos, aliás.

Chegará para o PS ganhar? Será por uma unha negra, quer para um lado quer para o outro. Costa sabe que não passará da casa de partida sem a ecogeringonça - mas que não há pântano possível. Se ele depender do Bloco e PCP, ou mesmo do PSD, não irá longe. Daí o dilema paralelo: PS-curto sem Costa significará Pedro Nuno Santos. Os eleitores PS sabem que assim será. Os eleitores que estão a votar à esquerda (em Costa) sabem que estão a fazê-lo, potencialmente, também em Pedro Nuno Santos, já hoje. Porque não querem o, afinal, líder da direita Rui Rio. O programa do PSD promoveu esta clarificação. O PSD alienou o SNS e, em simultâneo, o centro. A esquerda, qualquer que ela seja, ganhou aqui as eleições.

 * Jornalista

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" - 16/01/22.

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