18/10/2021

JOÃO GONÇALVES

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O que  pretende Marcelo?

Parece-me indisputável o doutor Marcelo constituir uma das mais talentosas formas de vida inteligente da vida pública nacional. É assim desde pequenino, quando o Pai o levava pela mão para os palanques oficiais ou para assistir ao desembarque de Isabel II em Lisboa.

Dos jornais à Assembleia Constituinte, do PSD às televisões e, finalmente, destas para Belém, Marcelo limitou-se a confirmar essa inteligência - prática e teórica - que soube aliar a uma adesão popular no "terreno" como ainda não tinha sido visto, neste regime, com um presidente. E com a vantagem de, contrariamente aos "vultos" que o antecederam, na 1.a República, poder andar livremente na rua sem correr o risco de ser sovado. É, pois, nesta ecologia "marcelista", sempre fina na análise e na retórica do grande ironista que Marcelo também é, que teremos de enquadrar o "facto" político que o presidente criou a pretexto do Orçamento para 2022. Mal a procissão orçamental da frente de Esquerda começou a sair torta do adro parlamentar, Marcelo, aparentemente sem necessidade disso, chegou-se à frente e falou em público de eleições antecipadas. Vezes sem conta, algumas até no mesmo dia em diferentes lugares. Depois, recebeu os partidos, em privado, e no sábado, de Cascais, voltou ao tema. Marcelo com certeza não falou de cor. Nem tão-pouco julgo que o presidente pretenda juntar às "cooperações" que vinham de trás - a institucional e a "estratégica" de Cavaco - uma qualquer "cooperação orçamental". Marcelo está sempre uns passos adiante de nós. Pela sua natureza e pela das coisas. E sabe que o pivot desta procissão é António Costa. Os outros dois já partiram coxos e não devem estar interessados em ficar sem as perninhas numas putativas eleições. Até porque, se dissolvesse, Marcelo deixaria muito claro, com nomes e tudo, o lugar, e os nomes, do "crime". Ou seja, toda a Esquerda parlamentar. Não são eles que estão sempre a lembrar o excelentíssimo público que o Governo depende "exclusivamente" deles os três? Duodécimos não são nenhum drama. E não existe nenhum nexo de causalidade plausível entre um primeiro Orçamento chumbado no Parlamento e a dissolução do mesmo. Mas o que Marcelo quer atingir é a farsa que têm sido as execuções orçamentais politicamente "liberais" e financeiramente esquerdo-populistas na "previsão". Um Orçamento é uma mera previsão. O resto é que interessa. A Direita, evidentemente, está a ver passar a procissão e já deixou claro que não é consigo. Nada mais lhe compete fazer do que aquilo que está a fazer. Mudar de vida para ajudar o país a mudar a sua.

* Jurista

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 17/10/21

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