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Longe vão os tempos em que as campanhas eleitorais eram feitas à volta de projetos, mais ou menos elaborados, mais ou menos consistentes, mas com uma ideologia subjacente. Mesmo nas eleições autárquicas era possível perceber como ficaria o concelho depois do mandato a que cada um concorria e, mais à esquerda de pensamento ou mais à direita, facilmente se percecionava uma gestão mais centrada nas pessoas ou mais centrada nas infraestruturas. Quando centrada nas pessoas, também ainda se compreendia se estávamos a falar de uma ideologia mais social ou de projetos mais transversais ligados à qualidade de vida, à comodidade, às oportunidades de trabalho, etc. Quando a aposta se direcionava às infraestruturas, também podia apontar mais para as estruturas sociais e de saúde, por vezes para o ensino, algumas (escassas) vezes para o ensino superior, ou para o desporto (bastantes), ou para as obras "de fachada", as célebres rotundas e bancos de jardim. Estas escolhas dependiam obviamente do binómio esquerda-direita e muito da forma como o partido concorrente se posicionava ideologicamente.
Há uns anos surgiram os movimentos de cidadãos independentes que poderiam ser uma lufada e ar fresco - e em alguns casos foram - na política autárquica que se quer de proximidade. Foram muitos os casos em que grupos de homens e mulheres sem vida partidária ou atividade política ativa se disponibilizaram para fazer melhor pela sua terra e muitas destas iniciativas são louváveis: projetos que, sem subordinação a uma ideologia política, construíram boas dinâmicas territoriais e são verdadeiros exemplos de exercício de poder bem feito.
Mas, salvaguardadas as devidas e honrosas exceções, começaram a aparecer movimentos constituídos pelos excluídos dos partidos convencionais. Quando alguém é afastado da corrida eleitoral pelo seu partido, ou quando não é convidado para o lugar com que sonha, concorre através dos movimentos de cidadãos. Estes movimentos situam-se no mesmo espaço político do ex-partido dos dissidentes e, mais do que combater aqueles que até então foram a sua oposição, combatem o seu próprio espaço político. São estes os que agora até se constituem como "partidos" temporários e regionais, para poderem fazer coligações com os partidos que contestam e aparecerem com mais representatividade nas eleições, criando dinâmicas de pura oposição e de subprodutos dos partidos convencionais.
Afinal a ferramenta que tinha a melhor das intenções - os grupos de cidadãos com vontade de fazer pela sua terra - pode tornar-se num espaço pernicioso de subpartidos, com os mesmos defeitos que visava contornar. A política faz-se de coragem e a mudança faz-se dentro das organizações (partidos). Mais do que fugir para um movimento "independente", importa mudar as organizações em que acreditamos por dentro. Talvez no domingo os eleitores escolham votar em projetos e não realizar ajustes de contas pessoais, por esta ou aquela forma de comunicar.
* Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" 23/09721
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