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Viragem
A 11 de Setembro de 2001 estava no Porto. E, de repente, no directo televisivo aparece a ideia de atentado seguida das imagens das pessoas desesperadas que se atiravam das torres, fugindo das chamas. Ficámos presos nas notícias e no terror
A 11 de Setembro de 2001 estava no Porto. Uma colega de trabalho, que chegou um pouco mais tarde, trouxe a notícia vaga de um acidente em Nova Iorque. Continuámos a trabalhar, ignorando o que julgávamos ser um “incidente”. Numa pausa, percebemos pela televisão do café em frente (um café de uma colectividade local, a Associação de Moradores da Bouça) que dois aviões tinham embatido nas Torres Gémeas. Ainda pensávamos que seria um acidente e não era clara a dimensão da tragédia. E, de repente, no directo televisivo aparece a ideia de atentado seguida das imagens das pessoas desesperadas que se atiravam das torres, fugindo das chamas. Ficámos presos nas notícias e no terror.
Nesse dia estávamos a trabalhar num texto (link is external) sobre a permanência do conflito. O trecho que trabalhávamos era inspirado em conversas com o realizador grego Theo Angelopoulos e com o arquitecto Daniel Libeskind, que viria a ser o autor do memorial às vítimas do 11 de Setembro.
“THEO ANGELOPOULOS – Como é que Atenas, uma potência que dominava todo o mundo antigo, teve uma tal queda depois? Isso começou pela arrogância face aos outros, como fazem hoje os americanos, tentando pôr todos na ordem, à lei da bala. Um desses exercícios militares fracassou. E assim começou a decadência de Atenas. E tenho esperança que isso aconteça também aos Estados Unidos. Que a lição histórica lhes toque. É a mesma situação: um país (na altura foi uma cidade) que domina todos os outros, e que tudo impõe com uma força extraordinária.
Todos os impérios sobem e caem: o Império Grego, o Bizantino, o Otomano, e o Americano também cairá.
DANIEL LIBESKIND – Será que alguém, olhando lá de cima do Fórum Romano, poderia imaginar que toda aquela arquitectura seria um dia apenas uma ruína, um vestígio do passado? E da mesma maneira que falo de Roma poderia falar de todos os magníficos castelos que podemos visitar. E podemos imaginar alguém a olhar do cimo de um arranha-céus de Nova Iorque ou Tóquio e a tomar como certo que aquela é uma realidade eterna, mas não é.”
A sucessão de notícias caiu como um pesadelo. Esse pesadelo durou os dias do choque e os anos do pavor da guerra que se lhe seguiu. As reflexões sobre a guerra que se alimenta perpetuamente, como na imagem do mundo como um globo terrestre fragmentado que inspirava Libeskind, tornaram-se assustadoramente urgentes e próximas.
PS: Título em jeito de citação e homenagem ao texto que o Miguel Portas escreveu após o atentado.
* Coordenadora do Bloco de Esquerda, deputada à AR, actriz
IN "PÚBLICO" - 11/09/21
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