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Terra sem lei
Num momento em que se discute regulamentação, é importante que quem propõe e decide a mudança saiba observar e ouvir os consumidores e os principais ‘stakeholders’. Importa não esquecer que esta é uma luta de todos.
O nosso planeta tem limites e estamos continuamente a testá-los e a ultrapassá-los. No final de julho, voltou a registar-se o Dia da Sobrecarga da Terra, o que quer dizer que esgotámos os recursos naturais que o planeta tinha capacidade de renovar durante o ano, em praticamente metade desse tempo. Estamos a viver em crédito ambiental, uma situação que se repete todos os anos, tornando claro que ser sustentável e inteligente no uso de recursos não é só uma opção, mas sim uma necessidade urgente.
Isto passa, por exemplo, por minimizar o desperdício e torná-lo algo do passado. Um terço do que é produzido no mundo não é consumido e, em Portugal, um milhão de toneladas de alimentos acabam no lixo, todos os anos. É um modo de vida que não é economicamente viável nem moralmente aceitável, numa sociedade que procura ser cada vez mais sustentável, moderna, responsável e solidária.
Não há uma solução única para fazer face a este problema, mas sim um conjunto de atitudes e comportamentos que têm de ser adotados, quer por parte da sociedade, quer por parte do tecido empresarial. A mentalidade “montra cheia” tem de ser deixada para trás. Não, não é “melhor ter quebra do que rutura” – tanto quebra como rutura podem resultar de imponderáveis de gestão, a diferença é que a primeira mostra mais desperdício, mais insensibilidade, mais irresponsabilidade social e ambiental. Temos de mudar de paradigma.
O consumidor moderno privilegia modos de consumo sustentáveis e quer fazer parte de uma mudança do mundo para melhor. Tem essa dimensão aspiracional que se reflete hoje, por exemplo, na adoção de princípios de circularidade por parte das maiores marcas. Estas perceberam que a sustentabilidade não está apenas na “gaveta” dos valores da organização, também está na “gaveta” do seu negócio, podendo assumir o centro das suas operações sem que para isso afete a estabilidade financeira. A curto-médio prazo, desconfio que a mentalidade do “quanto mais melhor” traga mais prejuízos que benefícios aos comerciantes.
É necessária uma forte sensibilização junto dos operadores económicos, para que entendam não só a necessidade ambiental de adotarem práticas de combate ao desperdício, mas também os benefícios que podem ter com a gestão responsável dos seus excedentes. A venda ou doação destes produtos, por exemplo, cria circularidade na economia, trabalha graus de responsabilidade social e corporativa crescentes, ao mesmo tempo que promove a criação de novos hábitos entre os consumidores.
E, por falar em consumidores, é preciso começar pelas salas de aula: é lá que se encontram os consumidores de amanhã. É urgente que as escolas eduquem para a sustentabilidade e que a economia circular ganhe preponderância entre os temas presentes na aprendizagem dos nos nossos jovens.
Na mesma linha, penso que é de extrema importância começar a premiar as melhores práticas. Em alguns países, já vemos uma gestão de resíduos ‘gamificada’ e personalizada, e, em algumas cidades da Europa, sabe-se exatamente a quantidade de resíduos produzidos, a pegada ecológica ou o índice de reciclagem de cada família ou indivíduo. Porque é que estes cidadãos não são beneficiados? Da mesma forma que o proprietário de um veículo elétrico tem mais-valias, porque é que um cidadão que faz uma gestão eficiente dos seus resíduos não é igualmente recompensado?
Há um denominador comum a todos estes pontos, já reparou? Se falamos de economia, de educação e de sociedade, não podemos deixar de falar de legislação. O verdadeiro incentivo para a adoção de boas práticas tem de partir daí. Precisamos de sinais de mudança, de um apontar de caminho em direção ao futuro, e esse sentido só pode ser dado pelo poder executivo e legislativo.
É imperativo trabalhar regulamentações fortes, que eduquem e beneficiem quer cidadãos, quer produtores e comerciantes; promover incentivos fiscais bem definidos e estratificados; desenvolver programas de fiscalização de gestão de excedentes que sejam eficazes e vinculativos; e criar fundos de fácil acesso para modernização e atualização de espaços e equipamentos para uma transição fluida para atividades 100% verdes.
Num momento em que se discute regulamentação para este setor, é importante que quem propõe e decide a mudança saiba observar e ouvir os consumidores e os principais stakeholders; é crucial saber antecipar e não esquecer que esta é uma luta de todos. Creio que, enquanto sociedade, estamos prontos para a mudança, mas não há mudança sem rumo, nem há rumo sem estratégia.
* Director-Geral da Phenix Portugal
IN "O JORNAL ECONÓMICO" - 17/08/21
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