10/08/2021

DIOGO HORTA OSÓRIO

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A crise anunciada está aí

A retoma será muito parcial e dirigida aos setores que o Governo entendeu selecionar para receberem, direta ou indiretamente, os fundos do PRR. Serão todos aqueles que contratam com o Estado e as autarquias locais.

Sabemos bem que temos um primeiro-ministro optimista e que já foi ao banco levantar um primeiro cheque do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). A realidade, infelizmente, é outra e só quem tem contacto directo com a economia é que se apercebe dos sinais e estes são de alarme.

O stock de dívida pública já é de 137% do PIB, o que significa, se se tratasse de uma empresa, que a dívida excede as vendas em 37%. O problema é que o free cash flow do Estado é escasso, nulo ou, mesmo, negativo, pois as receitas (incluindo mais dívida) são todas afectas à despesa corrente e à amortização do serviço da dívida.

E como não há almoços grátis, a União Europeia já avisou que se terá de procurar receitas adicionais para financiar a bazuca europeia: portanto mais impostos para os cidadãos europeus.

Pese embora o esforço notável da vacinação em Portugal, certo é que este ano está perdido para o turismo nacional, que representa mais de 14% do PIB. E a evolução do PIB português não augura nada de bom. As exportações ficam muito aquém de 2019 e a tendência é decrescente até ao final do ano.

A retoma será muito parcial e dirigida aos sectores que o Governo entendeu seleccionar para receberem, directa ou indirectamente, os fundos do PRR. Serão todos aqueles que contratam com o Estado e as autarquias locais, seja por obras, seja por prestações de serviços, todos de utilidade duvidosa por falta de tempo para se medirem os custos-benefícios de cada projecto. Há que gastar, pois as eleições estão aí à porta…

O desemprego, apesar de um recuou no primeiro trimestre, para 7,1%, subirá até ao final do ano e veremos como se comportará em 2022.

As insolvências, com o fim das moratórias, a queda da procura induzida pela falta de turistas e com a diminuição das exportações, crescerão para níveis nunca vistos.

A total desconsideração pelas empresas e pelo sector privado no desenho do PRR, privilegiando o Estado, conduz a uma constatação óbvia de que muitos desses fundos serão canalizados para empresas estrangeiras, fornecedoras de bens e serviços nos sectores da economia circular, no ambiente, nas energias renováveis e na capacitação digital da administração pública.

A capitalização empresarial, enxertada à última hora, por via de um banco de fomento, político, sem liderança, sem estratégia e sem capilaridade para distribuição eficaz dos fundos tem tudo para não funcionar.

O ministro da Economia responde à Dielmar, empresa insolvente, que esta é mal gerida, mas não tem uma palavra de conforto para as trezentas famílias que dela dependem.

O ministro dos Transportes continua a acreditar – só ele – na recuperação da TAP, não percebendo que a investigação aprofundada, ordenada pela Comissão europeia aos auxílios de Estado, tem tudo para correr mal. E o montante nela investido teria sido mais bem aplicado nos sectores industriais e exportadores de bens transaccionáveis.

O ministro do Ambiente preocupa-se com a margem de lucro das empresas retalhistas de combustíveis, sem ter o cuidado de rever a carga tributária, essa sim, que onera excessivamente o consumidor.

Os fenómenos de corrupção e de criminalidade económica multiplicam-se, com o efeito dramático na diminuição do investimento directo estrangeiro que interessa.

E a oposição preocupa-se com os casos e casinhos que, não obstante serem graves, mais não são do que areia para os olhos e só favorecem quem nos (des)governa. Em lugar de perguntar a que velocidade ia o “chefe da polícia” na auto-estrada, devia perguntar-se a que velocidade, e por que estrada, queremos ir enquanto nação?

* Partner da J+Legal

IN "O JORNAL ECONÓMICO" - 09/08/21

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