30/08/2021

ANA RITA GUERRA

 



E se nunca mais 
voltarmos ao escritório?

Eram duas semanas para conter o surto. Começou por ser uma contingência atrapalhada, recambiando toda a gente para casa em trabalho remoto, e já dura há 18 longos meses. Ninguém acreditaria nisto em Março de 2020, quando as primeiras ordens de emergência foram dadas. Talvez ninguém acreditasse sequer no final de 2020, quando o horizonte das vacinas prometia um regresso rápido à normalidade.

Agora, há milhões de pessoas a trabalharem de casa sem perspectiva concreta de quando regressarão ao escritório. Ou se o farão, de todo. O que é que acontece quando uma emergência se torna um estado permanente? Um "novo normal" já não chega para descrever o que está a acontecer.

Não é totalmente descabido perguntar se alguma vez voltaremos em massa para os escritórios. Sabemos que a imunidade de grupo é uma miragem e não vai acontecer com 70% ou mesmo 80% da população vacinada. Sabemos também que as variantes continuam a rasgar por esse mundo afora e a representar um perigo elevado de saúde pública. E sabemos que muitas grandes empresas voltaram a adiar a data em que os trabalhadores supostamente regressariam ao trabalho.

A Apple é uma das que o fez na semana passada, adiando agora para Janeiro de 2022. A Amazon já tinha anunciado o mesmo: só para o ano. Idem para o Facebook. A Google, tentativamente, diz que será em outubro, tal como a Red Bull. O cenário é indicativo do quão incerta a situação se mantém e como andamos às apalpadelas neste túnel pandémico que teima em não terminar.

Mas o mais relevante neste estado de coisas é que, quanto mais tempo demorarmos a voltar à normalidade, menos plausível é que o queiramos fazer. Toda a gente está farta de reuniões via Zoom e há uma ânsia de contacto na vida real, uma dinâmica do trabalho no mesmo espaço físico que não é passível de substituição em ambiente remoto. No entanto, o processo de adaptação e as vantagens de não ter de ir ao escritório diariamente - por exemplo, poupando horas no trânsito - tornarão mais difícil voltar para trás.

É isso que muitas empresas nos Estados Unidos estão a encarar. Quando confrontados com ordens para regressar aos escritórios, muitos profissionais simplesmente demitem-se, procurando outros empregos que possam fazer remotamente. O mercado laboral norte-americano é muito dinâmico, aberto e está em expansão - basta ver a quantidade de vagas por preencher - mas apesar das especificidades, aponta para questões pertinentes neste dilema.

Serão as empresas que quiserem reter talento obrigadas a permitir escolha? Terão de mudar maioritariamente para modelos híbridos? Irá a nova geração de trabalhadores, em especial a que entrou no mercado de trabalho em plena pandemia, aceitar semanas de 40 ou mais horas de trabalho em ambiente de escritório?

Supõe-se que tudo depende de quanto tempo andaremos às voltas com variantes, hospitalizações e vacinações. O passado mostra-nos que doenças altamente contagiosas e a circular pela comunidade não desapareceram num par de anos, mesmo com vacinas.

É elevada a probabilidade de que tenhamos de viver lado a lado com este vírus por muitos anos. A questão é quando é que poderemos tratar o novo coronavírus como o vírus que provoca a gripe, sem grandes alterações do statu quo. Suspeito que vai demorar. E por isso mesmo, as mudanças que julgávamos temporárias poderão tornar-se permanentes. Oli Sykes cantava que "até o inferno se pode tornar confortável uma vez que nos instalamos." Eu vejo as casas a arder e muita gente com as mangueiras desligadas.

IN "DINHEIRO VIVO" - 26/08/21

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