O setor social em Portugal é muitas vezes visto de fora como o setor da caridade, composto por pessoas com enorme coração e pouco profissionalismo
O terceiro setor, ou setor social em Portugal, é uma resposta da sociedade civil para algum problema social. Ele existe para que populações mais vulneráveis tenham uma resposta que não podem obter de outra forma.
Em grande medida esta resposta social é dada por organizações sem fins lucrativos. Tipicamente IPSS, Associações ou ONGs, cuja missão inicial é uma resposta para um problema social presente no agora. Muitas vezes, essa resposta é assistencialista porque o setor social existe, de facto, para colmatar necessidades imediatas e, outras vezes, essa resposta é de longo prazo, para resolver as causas da necessidade existente.
Na grande maioria das organizações, os recursos humanos trabalham diretamente no problema a resolver. Isto significa que, na generalidade, há pouco apetite para recursos humanos profissionais exclusivamente dedicados à sustentabilidade, fundraising ou marketing e comunicação. Em resumo, pedem-se organizações sociais com 0% de overhead* e recurso 100% dedicados às pessoas que precisam de uma resposta urgente.
*custos ligados à manutenção das operações de uma organização, com ligação indireta à atividade final no terreno. São custos fundamentais para a sustentabilidade e continuidade da resposta
Por este motivo, o setor social em Portugal é muitas vezes visto de fora como o setor da caridade, composto por pessoas com enorme coração e pouco profissionalismo. Por pessoas que se dedicam tanto ao que estão a fazer, que podem até trabalhar a tempo inteiro de forma voluntária, quase criando a expectativa que assim é que deve ser. Pessoas que, de alguma forma, experienciaram ou sentem alguma dor pelo problema social, e que são capazes de arriscar, às vezes demasiado, para pôr a solução a funcionar.
Ora, se as equipas que compõem o terceiro setor têm menos interesse e formação numa angariação de fundos profissional, em comunicar o seu magnífico trabalho, em fazer orçamentos, em gerir milimetricamente o fluxo de caixa e em medir o seu impacto, então também têm menos capacidade para atrair investimento social. E se esse investimento não vem cria uma asfixia constante muito difícil de sair, que impede o trabalho contínuo e de longo prazo que estas respostas precisam.
Os investidores sociais (empresas, fundações e filantropos) dizem com alguma razão que o terceiro setor está subdesenvolvido.
E este problema está em 4 frentes:
1. As organizações sociais não valorizam e não investem em overheads e canalizam o que recebem para os beneficiários que apoiam;
2. Os investidores sociais não financiam recursos humanos de overheads
3. A Responsabilidade Social das empresas frequentemente carece de linhas orientadoras claras e as parcerias são feitas com pouca exigência de resultados
4. O impacto é medido em forma de ‘atividades realizadas’ e menos em mudanças reais na vida das pessoas
Este ciclo vicioso faz com que as organizações sociais fiquem pouco atrativas, não tenham o talento e liderança necessárias e, consequentemente, tenham dificuldade em obter investimento social. Isto significa que não conseguem crescer e resolver o problema em escala, tão necessário para o impacto real nas comunidades que se pretende atingir.
O trabalho de impacto junto dos públicos que mais precisam não pode ser feito à noite ou aos fins de semana. Para a mudança sistémica que todos pretendem, temos de investir no talento e na liderança, para que o impacto possa ser multiplicado, e o problema seja resolvido pela raiz.
Como quebrar este ciclo?
1) Mostrando que é possível. Quando se investe em recursos humanos de topo, então os resultados aparecem. Se um overhead multiplicar o investimento do seu vencimento, a sustentabilidade e o impacto da organização, então estamos a cumprir o objetivo. É assim nas empresas, deve ser assim no setor social;
2) Capacitar as organizações sociais. Se a melhor resposta social exige o melhor de nós, então o setor tem de estar em permanente atualização e aprendizagem. Deve procurar formações em gestão, marketing, comunicação, fundraising, negociação. Deve fazer parcerias com instituições de ensino para ter acesso ao melhor conhecimento existente. O uso desse conhecimento vai criar mais sustentabilidade, maior visão a longo prazo e fôlego financeiro.
3) Investindo em overheads nas organizações e exigir planos estratégicos, gestão de pessoas, e investimento na cultura organizacional.
4) Exigir resultados. Exigir processos de medição e tomar decisões com base nos resultados alcançados. Definir impacto por cada euro gasto e comunicar aos financiadores como vão alocar o seu orçamento.
5) Clarificar orientações das empresas e tornar objetivos os critérios de parceria com organizações sociais. Tornar as empresas co-responsáveis pelos resultados das organizações com quem fazem parceria.
São 5 passos para a profissionalização do setor social, tornando-o mais transparente, com maior escrutínio. Os investidores envolvem-se mais e os resultados tornam-se mais profundos.
O objetivo de qualquer organização social é o de se extinguir a si própria. É sinal que o problema deixou de existir. Para lá chegar temos de ter o nosso melhor talento a trabalhar nos nossos maiores problemas sociais para que as desigualdades sejam definitivamente eliminadas.
* Co-fundador e Director Geral da Teach For Portugal
IN "VISÃO" ~15/04/21
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