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Maior e não vacinada
As economias têm conseguido continuar a funcionar no que diz respeito ao abastecimento de bens essenciais e de bens digitais (até alguma cultura, felizmente). É melhor do que nada. Tudo o resto continua a depender das expectativas de “data de fim de pandemia”.
Ainda me lembro (mal, com pena...) de ter feito 18 anos e me ter
juntado ao grupo dos “maiores e vacinados”. Trata-se de uma expressão
idiomática portuguesa, “ser maior e vacinado(a)”, cujo significado
assume hoje um interesse especial. Sim, hoje vou falar da vacinação, dos
confinamentos e desconfinamentos e do desempenho da economia.
Fui “googlar” e verifiquei que, no dicionário informal brasileiro (dicionarioinformal.com.br), está escrito que: a expressão “Ser maior e vacinado”, em Portugal, significa ser adulto. Confere. Também aprendi qualquer coisa quando espreitei as traduções desta expressão para inglês. Por exemplo, encontram-se traduções como “a grown man”, “responsible”, “big boy now”, “consenting adult” ou “grown up and free” (no context.reverso.net). Não encontrei versões no feminino. Mas encontrei também “to be old enough to look after oneself” (pt.bab.la), ou seja, ter idade suficiente para tomar conta de mim mesma. Eu bem queria aplicar esta ideia, mas está difícil...
A verdade é que, neste momento, eu e a maioria dos adultos
portugueses (e não só) somos “maiores e vacinados” apenas no sentido não
literal da expressão. E, infelizmente, embora eu consiga ver sempre um
lado positivo em períodos menos bons da vida pessoal ou coletiva, o
assunto é sério.
Tenho acompanhado, a par e passo, a evolução da situação pandémica no
país e no mundo. Faço-o enquanto cidadã e também sob o meu óculo de
economista. Nesta minha segunda versão, reflito sobre comportamentos e
decisões de hoje com base em expectativas quanto ao futuro. Aquilo que
vivemos há um ano é um período em que as nossas expectativas –
económicas, até – estão profundamente dependentes da informação que nos
chega (i) acerca do grau de contágio do coronavírus, (ii) das suas
diferentes variantes e estirpes, (iii) da sua agressividade, (iv) da
capacidade de resposta dos sistemas de saúde, (v) dos números de novos
infetados, internados, mortos e recuperados e (vi) do desenvolvimento,
distribuição e aplicação de vacinas.
Aquilo que eu sou hoje, de facto, é “maior e não vacinada”. Continuo a
sentir-me adulta e a achar-me capaz de tomar conta de mim mesma. Mas
tenho, efetivamente, liberdade reduzida. Eu e todos. Não posso quase
sair de casa, não socializo “ao vivo”; felizmente, tenho muito trabalho.
Infelizmente, até um bocadinho demais. Compreendo todos aqueles que se
indignam acerca da atual perda de liberdade e o que sofrem certos
trabalhadores e setores de atividade que não conseguem operar, de todo,
de forma digital. Também não tenho filhos pequenos a precisarem que eu
esteja a tomar conta enquanto estudam ou brincam, mas lembro-me de como
era há uns anos e sou solidária com a frustração que alguns pais e mães
sentem – parece que não conseguem fazer nada bem, nem trabalhar sequer.
Numa nota mais positiva, verifico que, apesar de a aprendizagem ser pior
neste ano tão perturbado, certos pais e certos filhos tiveram a
oportunidade de se conhecerem como nunca tinha acontecido até então e
isso tem o seu valor. Tudo isto, bem explicado aos mais novos, é um
problema imenso, mas também uma lição única de humanidade. (Re)conheci
as minhas filhas já crescidas – com imensa pena de as ver em casa na
ingrata idade do final dos “teens” – e aproveitei!
Pesando toda a informação que recebo – e tentando ser seletiva e não
me submergir em poluição digital – a realidade dos factos é simples. Das
duas uma: (1) só quando existir, de facto, a certeza de que as vacinas
que temos são eficazes no longo prazo e a generalidade da população
estiver vacinada, ou (2) se este vírus se fartar de nós (atenção, eu não
sei nada acerca de doenças, epidemias, etc., a não ser o que vem na
História e na literatura!), é que vamos voltar a ter uma vida segura com
maior liberdade de movimentos e contacto humano.
Até lá, vamos desconfinar aos bocadinhos e correr o risco de
voltarmos atrás e apertar as medidas de confinamento logo a seguir.
Seria pedagógico explicar-se com clareza que, até isto acabar, vamos ter
uma vida e uma economia de pára-arranca. Nesse sentido, vejo como
vantajoso que as atividades que se consigam desenvolver de forma
bastante eficaz num sistema remoto o façam nesse modelo, dando espaço
físico a outras. E que sejamos seletivos quanto aos períodos em que
temos de nos encafuar em casa a 100%. Não queremos isso nos meses mais
quentes do ano, acharia eu.
As economias têm conseguido continuar a funcionar no que diz respeito
ao abastecimento de bens essenciais e de bens digitais (até alguma
cultura, felizmente). É melhor do que nada. Tudo o resto continua a
depender das expectativas de “data de fim de pandemia”. Claro que
acompanho com todo o interesse o crescimento do PIB, os valores
setoriais, a evolução da dívida. Mas sei que, enquanto for só “maior e
não vacinada”, não vamos ter milagres económicos. Teremos, sim, de ter o
tal poder de encaixe (a popular resiliência), imaginação na reinvenção
possível de alguns negócios e um enorme respeito pelas vidas uns dos
outros. Ando a tentar praticar exatamente isto. À espera que passe e
volte a ser mais livre.
PS – Obrigada, André Veríssimo, pela ideia deste Deans’ Corner e pelo convite em 2018. Tem sido um gosto! Boa sorte nos seus novos voos – vamo-nos cruzando por aí, de certeza.
* Professora do ISEG
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS" - 16/03/21
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