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Doze desejos para o novo ano
O calendário que adotámos, e é partilhado por quase toda a Humanidade, mesmo conservando os calendários próprios, traz-nos a cada ano a esperança de um novo ciclo e o desejo de que seja melhor, o que tem especial significado neste tempo que nos foi dado viver. A nossa tradição meio séria, meio folgazã recomenda doze passas a serem engolidas com as doze badaladas junto com doze desejos. Quase a finalizar 2020, que ficará marcado por uma pandemia que alterou as nossas vidas, escutamos balanços e expectativas que também aqui trago sob a forma de doze desejos.
Primeiro Desejo. Espero que não esqueçamos o que vivemos e possamos aproveitar as lições (são muitas) sobre a nossa fragilidade, a importância de ser humano e a força de trabalharmos em conjunto. Evoco neste ponto a personagem de Saramago, Blimunda Sete-Luas, possuidora de poderes extraordinários que lhe permitiam ver o que estava dentro dos corpos e, assim, juntar as vontades de homens e mulheres que fizeram voar a passarola do Padre Bartolomeu de Gusmão, o que também serve para representar a capacidade humana para construir conhecimento e transformar o mundo.
Segundo Desejo. A esperança chegou à Europa ainda antes do fim do ano com uma vacina distribuída a todos os Estados-membros de forma proporcional e que começou a ser administrada quase no mesmo dia. Foi uma grande vitória da União Europeia e ficou demonstrado o valor de uma comunidade, único meio que permitiu evitar os egoísmos dos mais ricos e mais poderosos. Mas este grande feito europeu não nos pode fazer esquecer outras comunidades que terão maior dificuldade em aceder à vacina. Ao longo dos últimos meses, várias campanhas apelaram à vacina para todos e foi criada a COVAX, um mecanismo global de aquisição conjunta e distribuição equitativa de vacinas. Este mecanismo que integra a OMS prevê doses para pelo menos 20% da população mundial e vacinas entregues assim que disponíveis, o que permitirá - esperamos - acabar rapidamente com a fase aguda da pandemia.
Terceiro Desejo. Todos os indicadores são unânimes em prever que a pandemia trará mais desigualdades e aumentará a pobreza, fazendo recuar muitas das conquistas alcançadas. A Agenda 2030 continua a ter como principal desígnio a erradicação da pobreza e, por isso, é importante que as regiões mais frágeis não sejam esquecidas, incluindo aquelas que, nas últimas décadas, conseguiram sair de limiares de pobreza para o rótulo de países de renda média, mas que rapidamente regressarão ao ponto de partida se não puderem contar com o apoio internacional. É, também, importante que essas regiões valorizem cada vez mais a cooperação entre si, e refiro particularmente África e América Latina, partilhando experiências e até dando um salto qualitativo nos seus desenvolvimentos.
Quarto Desejo. Por essa razão, é fundamental que, depois de centrarmos a nossa preocupação e ação na saúde, passemos à educação e à qualificação. Não conseguiremos reconstruir economias e tecido social sem uma educação que também ela olhe para o futuro e aprenda com ele. Não é desejável regressar aos modelos conhecidos e o desafio que se coloca é uma nova escola que não se reduz a um espaço e se estende à comunidade.
Sexto Desejo. A cultura foi um dos setores mais afetados e é tempo de perceber o seu valor. A UNESCO acaba de publicar os indicadores temáticos para a Cultura na Agenda 2030 que vão da importância no PIB de cada país, à relevância na coesão social e nos processos participativos, à importância económica e coletiva do património ou às competências que desenvolve, e são cada vez mais valorizadas na empregabilidade. Regressemos à cultura e às artes.
Sétimo Desejo. Não esquecer o ambiente, porque a pandemia é um parêntese que ocupou as nossas mentes, mas os restantes problemas permanecem e as alterações climáticas podem obrigar-nos a maiores mudanças do que aquelas que vivemos. Importa que nos empenhemos em evitar outras catástrofes. É uma boa notícia o regresso anunciado dos EUA ao Acordo de Paris.
Oitavo Desejo. Importa também que as Nações Unidas reforcem o seu papel internacional, bem como as diversas agências que a integram, cada uma cometida a uma dimensão que nos é essencial: da OMS ao PNUD, do ACNUR à UNICEF, da OIT à UNESCO. Sabemos como é difícil encontrar consensos, mas as Nações Unidas são uma esperança de que não podemos prescindir e também aqui o novo ano pode trazer boas notícias.
Nono Desejo. A pandemia veio ensinar o valor do multilateralismo, contrariando os que o davam como desnecessário. Trabalhando em conjunto conseguimos minorar as dificuldades, encontrar caminhos e partilhar soluções. A Organização de Estados Ibero-americanos ou a Comunidade de Países de Língua Portuguesa encontraram novos meios de ação, e a opinião geral é que houve avanços significativos. Que esse movimento dentro e entre organizações prossiga!
Décimo Primeiro Desejo. E a espera que nos anima é aquela que nos faz celebrar a vida, "Gracias a la vida", como cantou a chilena Violeta Parra, canção popular que nos ensina a valorar todos os momentos. Cantemos e celebremos!
Décimo Segundo Desejo. Sem nunca esquecer e refletir sobre o que aprendemos neste tempo de incertezas. O mundo é o mesmo, mas a solidariedade pode ser maior.
* Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-americanos - OEI
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" - 30/12/20
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