04/01/2021

ANA PAULA LABORINHO

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Doze desejos para o novo ano

"Não é um mundo novo, o que a pandemia nos promete.
É o nosso mundo, o mesmo, que se pôs entre parênteses." 
José Gil, O tempo indomado (2020)

O calendário que adotámos, e é partilhado por quase toda a Humanidade, mesmo conservando os calendários próprios, traz-nos a cada ano a esperança de um novo ciclo e o desejo de que seja melhor, o que tem especial significado neste tempo que nos foi dado viver. A nossa tradição meio séria, meio folgazã recomenda doze passas a serem engolidas com as doze badaladas junto com doze desejos. Quase a finalizar 2020, que ficará marcado por uma pandemia que alterou as nossas vidas, escutamos balanços e expectativas que também aqui trago sob a forma de doze desejos.

Primeiro Desejo. Espero que não esqueçamos o que vivemos e possamos aproveitar as lições (são muitas) sobre a nossa fragilidade, a importância de ser humano e a força de trabalharmos em conjunto. Evoco neste ponto a personagem de Saramago, Blimunda Sete-Luas, possuidora de poderes extraordinários que lhe permitiam ver o que estava dentro dos corpos e, assim, juntar as vontades de homens e mulheres que fizeram voar a passarola do Padre Bartolomeu de Gusmão, o que também serve para representar a capacidade humana para construir conhecimento e transformar o mundo.

Segundo Desejo. A esperança chegou à Europa ainda antes do fim do ano com uma vacina distribuída a todos os Estados-membros de forma proporcional e que começou a ser administrada quase no mesmo dia. Foi uma grande vitória da União Europeia e ficou demonstrado o valor de uma comunidade, único meio que permitiu evitar os egoísmos dos mais ricos e mais poderosos. Mas este grande feito europeu não nos pode fazer esquecer outras comunidades que terão maior dificuldade em aceder à vacina. Ao longo dos últimos meses, várias campanhas apelaram à vacina para todos e foi criada a COVAX, um mecanismo global de aquisição conjunta e distribuição equitativa de vacinas. Este mecanismo que integra a OMS prevê doses para pelo menos 20% da população mundial e vacinas entregues assim que disponíveis, o que permitirá - esperamos - acabar rapidamente com a fase aguda da pandemia.

Terceiro Desejo. Todos os indicadores são unânimes em prever que a pandemia trará mais desigualdades e aumentará a pobreza, fazendo recuar muitas das conquistas alcançadas. A Agenda 2030 continua a ter como principal desígnio a erradicação da pobreza e, por isso, é importante que as regiões mais frágeis não sejam esquecidas, incluindo aquelas que, nas últimas décadas, conseguiram sair de limiares de pobreza para o rótulo de países de renda média, mas que rapidamente regressarão ao ponto de partida se não puderem contar com o apoio internacional. É, também, importante que essas regiões valorizem cada vez mais a cooperação entre si, e refiro particularmente África e América Latina, partilhando experiências e até dando um salto qualitativo nos seus desenvolvimentos.

Quarto Desejo. Por essa razão, é fundamental que, depois de centrarmos a nossa preocupação e ação na saúde, passemos à educação e à qualificação. Não conseguiremos reconstruir economias e tecido social sem uma educação que também ela olhe para o futuro e aprenda com ele. Não é desejável regressar aos modelos conhecidos e o desafio que se coloca é uma nova escola que não se reduz a um espaço e se estende à comunidade.

Quinto Desejo. Nos últimos meses, acompanhámos com expectativa os avanços da ciência para produzir uma vacina eficaz que nos permitisse regressar às nossas vidas. Importa não esquecer que partimos do desconhecido, sem certezas sobre a possibilidade de alcançar a vacina, com avanços e recuos, mas com uma vontade inabalável de encontrar soluções. Mobilizaram-se meios como nunca havia acontecido. Mas este não será o último vírus e importa manter o investimento na ciência, a formação de novos cientistas, a colaboração entre laboratórios e, sobretudo, produzir conhecimento para o bem coletivo.

Sexto Desejo. A cultura foi um dos setores mais afetados e é tempo de perceber o seu valor. A UNESCO acaba de publicar os indicadores temáticos para a Cultura na Agenda 2030 que vão da importância no PIB de cada país, à relevância na coesão social e nos processos participativos, à importância económica e coletiva do património ou às competências que desenvolve, e são cada vez mais valorizadas na empregabilidade. Regressemos à cultura e às artes.

Sétimo Desejo. Não esquecer o ambiente, porque a pandemia é um parêntese que ocupou as nossas mentes, mas os restantes problemas permanecem e as alterações climáticas podem obrigar-nos a maiores mudanças do que aquelas que vivemos. Importa que nos empenhemos em evitar outras catástrofes. É uma boa notícia o regresso anunciado dos EUA ao Acordo de Paris.

Oitavo Desejo. Importa também que as Nações Unidas reforcem o seu papel internacional, bem como as diversas agências que a integram, cada uma cometida a uma dimensão que nos é essencial: da OMS ao PNUD, do ACNUR à UNICEF, da OIT à UNESCO. Sabemos como é difícil encontrar consensos, mas as Nações Unidas são uma esperança de que não podemos prescindir e também aqui o novo ano pode trazer boas notícias.

Nono Desejo. A pandemia veio ensinar o valor do multilateralismo, contrariando os que o davam como desnecessário. Trabalhando em conjunto conseguimos minorar as dificuldades, encontrar caminhos e partilhar soluções. A Organização de Estados Ibero-americanos ou a Comunidade de Países de Língua Portuguesa encontraram novos meios de ação, e a opinião geral é que houve avanços significativos. Que esse movimento dentro e entre organizações prossiga!

Décimo Desejo. É ainda da maior importância que a Presidência Portuguesa da União Europeia seja um êxito. O lema escolhido «Tempo de agir: por uma recuperação justa, verde e digital» remete para o combate aos efeitos da pandemia, mas também para o pilar dos direitos sociais como marca distintiva de uma Europa solidária. Destaco, porém, a terceira prioridade enunciada: reforçar a autonomia estratégica de uma Europa aberta ao mundo. Portugal tem essa capacidade de se abrir ao mundo e dialogar com outras regiões e, por isso, há também aí uma esperança que se projeta nesta Presidência portuguesa.

Décimo Primeiro Desejo. E a espera que nos anima é aquela que nos faz celebrar a vida, "Gracias a la vida", como cantou a chilena Violeta Parra, canção popular que nos ensina a valorar todos os momentos. Cantemos e celebremos!

Décimo Segundo Desejo. Sem nunca esquecer e refletir sobre o que aprendemos neste tempo de incertezas. O mundo é o mesmo, mas a solidariedade pode ser maior.

* Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-americanos - OEI

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" - 30/12/20

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