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A devolução desejada
Poucas horas depois, fonte da Comissão Europeia desmentiu o Governo Regional afirmando que a investigação a “alguns apoios públicos à SATA continua”. A má notícia, como se viu pela perna curta, era mais um desejo do que a realidade. A “decisão” foi, por sinal, algo que foi dito por alguém numa reunião que não foi pública, sabe-se lá em que contexto.
Este anúncio extemporâneo demonstra que o Governo Regional não tem qualquer intenção de contestar a tese de que os aumentos de capital da SATA são ilegais. Parece até querer que o pior dos cenários se concretize. O que se confirma também pela “convicção” com que o Governo Regional afirma que a SATA terá que devolver os 73 ME. A atitude revela ainda que o Governo Regional não tem intenção de exigir um tratamento excepcional para os Açores na área da aviação, tendo em conta o nosso estatuto de região ultraperiférica.
A bitola das grandes companhias aéreas continentais não se pode aplicar a uma companhia aérea que assegura a ligação dos Açores ao mundo e entre as nove ilhas espalhadas no meio do Atlântico. Se o Governo Regional abdica, nesta altura tão delicada das nossas vidas, de usar este estatuto fundamental inscrito no tratado da União Europeia, quando é que o vai utilizar? É um Governo Regional que desistiu de defender os Açores.
Ainda não sabemos o que pensa o Governo da República, que lidera as negociações com a CE, sobre o estado das negociações. Exige-se que não abdique também da defesa dos interesses dos Açores.
Mas por que motivos um Governo Regional atira a toalha ao chão, anunciando uma decisão fantasma e muito desfavorável para os Açores? E porque insiste que ela é inevitável quando não está sequer tomada?
A mentira que foi proferida no parlamento teve como propósito o ataque ao governo anterior. Mas esse propósito táctico e imediatista esconde outros muito mais graves. Uma tal decisão de devolução de 73 milhões de euros pela SATA à região só será útil ao governo se for para servir de pretexto para que este tome decisões que de outro modo não teria condições políticas para o fazer, com a vantagem de culpar os governos do PS pela “inevitabilidade” dessas decisões.
Será assim aplicado um outro programa de governo no que respeita aos transportes aéreos e à SATA e, pelo impacto da decisão, certamente com implicações noutras áreas. A desculpa perfeita para implementar as políticas que não se tem a coragem de assumir.
O paralelismo com a intervenção da troika é inevitável, com a agravante de que este Governo Regional quis ir além da troika antes dela chegar abdicando de lutar por uma decisão favorável aos Açores. Tudo para garantir a sua sobrevivência política e para implementar um programa de governo que é porventura impossível de apresentar e de defender sem ser sob a sombra de uma imposição externa.
Se o discurso do passa culpas era expectável imediatamente após o início de funções deste Governo Regional, a tentativa de forçar a degradação da situação da SATA, num momento de enorme crise social e económica, para robustecer essa tática política e para aplicar medidas indefensáveis é uma atitude de enorme irresponsabilidade.
* Deputado do BE na Assembleia Regional dos Açores
IN "ESQUERDA"- 23/12/20
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