26/11/2020

RUI MAIA

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Os dados são torturáveis 
até confessarem o que queremos 

Não sabendo hoje o peso de cada fator num determinado acontecimento, como podemos afirmar taxativamente que o problema é isto ou aquilo? 

A discussão sobre os números da COVID-19 tem sido muito curiosa. O exemplo deste título do jornal Público - "Covid-19: concelhos com maior incidência são dos com mais população jovem do país" - é disso um bom exemplo, associando o maior número de casos de covid com a população mais jovem, passando intuitivamente a mensagem de que o problema e os contágios são devidos aos jovens. Mas como diria a minha filha mais velha sem qualquer respeito gramatical: "só que não".

A notícia (link is external) a seguir diz assim: "Os sectores que dominam estes territórios são sobretudo de natureza industrial que têm estado sempre a trabalhar", diz a geógrafa. Além disso, trata-se de um tecido económico "dominado por pequenas empresas", não raras vezes negócios familiares, em que os trabalhadores nem sempre respeitam as regras de prevenção da transmissão.

"Temos conhecimento – genericamente, não só nesta região – de que, nas empresas de menor dimensão, não há uma prática constante do uso de máscara. O relacionamento entre as pessoas da empresa é muito próximo, alguns são familiares, vizinhos, o que faz com que as pessoas sejam menos rigorosas nestes comportamentos."

Sabemos também através dos números que vêm sendo divulgados pela DGS que a taxa de contágio é muito maior em pessoas com idade ativa (40 -70). Todos sabemos que é muitíssimo difícil senão impossível tirar conclusões seguras apenas com os dados que são conhecidos. É tudo intuição, contextual, não comparável,... enfim, tudo indicativo, por isso é que seria muito importante que a comunicação social não fizesse esta parvoíce - no título - que fez o Público. O facto de haver mais jovens não significa necessariamente mais contágio porque existem inúmeros outros fatores. Não sabendo hoje o peso de cada fator num determinado acontecimento, como podemos afirmar taxativamente que o problema é isto ou aquilo? É a juventude, ou o tipo de tecido empresarial, é o número de ações inspetivas ou o respeito voluntário pelas regras da DGS? Estas associações estatísticas que o Público, e muitos outros fazem, são por isso muito parvas e fazem-me lembrar um dizer muito comum na área de ciência dos dados: os dados são torturáveis até confessarem o que queremos deles.

Mas há coisas certas: a taxa de mortalidade é elevada nos idosos, e milhares de idosos foram abandonados pelo país em lares legais e ilegais. Sabemos agora que é nesses lares que o Estado se propõe colocar, e pagar, mais trabalhadores. Ou seja, vamos colocar trabalhadores pagos com os impostos de todos a trabalhar em empresas privadas já que pagam bem os salários dos seus proprietários e muito mal os trabalhadores quase sempre sem formação (porque são mais baratos).

Enquanto isto, não parece que a ASAE ou a IGT andem a espreitar as tais empresas onde as pessoas pelos vistos não cumprem muito as regras de controlo da doença.

Mas se calhar nenhuma destas duas questões dava o banzé que dá dizer que os jovens é que são o problema dos contágios.

* Engenheiro informático

IN "ESQUERDA" - 23/11720

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