03/11/2020

MÁRIO ANDRÉ DE MACEDO

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A pouca estratégia da saúde

A Covid-19 está connosco desde março. A primeira resposta do governo foi, de forma geral, positiva. As medidas tomadas, a comunicação efetuada assim como as promessas de preparar o país para enfrentar uma iminente segunda vaga, pareciam demonstrar uma réplica inicial satisfatória e capaz.

Entretanto, no mês de maio, iniciamos o processo de desconfinamento, ficando demonstrado que é muito fácil suspender um país que reiniciar a sua atividade. A estratégia de comunicação seguida foi alvo de uma série de equívocos e mensagens contraditórias, que teve como consequência imediata reduzir a adesão e a compreensão do cidadão às medidas que iam sendo tomadas.

Os planos para dotar o país de capacidade para enfrentar a segunda vaga nuns casos não foram integralmente seguidos e, noutros casos, o planeamento demonstrou ser curto para as necessidades efetivas. Investimos bastante em ventiladores, que pouca utilidade têm sem os recursos humanos necessários. A curva de aprendizagem de um enfermeiro numa unidade de cuidados intensivos, é cerca de três meses até se tornar autónomo. Não foram constituídas equipas de reserva durante o calmo verão que tivemos, seguramente não será a meio de uma segunda vaga que o faremos.

A saúde mental dos profissionais não foi acautelada, como é demonstrado pela subida sem precedentes do absenteísmo. O burnout não é um fenómeno apenas teórico que fica dentro da academia, é um problema bem real com implicações trágicas. Aumenta o absenteísmo, desmotiva enormemente os profissionais e leva-os a procurar novas carreiras fora da área da saúde.

Os efeitos indiretos da pandemia na saúde continuam largamente por resolver. O objectivo de recuperar a atividade programada aparenta ter sido esquecido. Novamente, após um verão inteiro sem um plano concreto de como realizar esta enorme tarefa, não teremos agora, em plena segunda vaga, essa capacidade. Centenas de milhares de cirurgias, consultas e exames que estão por realizar, sem uma ideia objetiva de como recuperar, apenas auguram tempos bastante difíceis no futuro imediato.

Nem tudo teria que ser desta forma. A falha teve a sua génese na ausência de uma estratégia integrada, para enfrentar a Covid-19, e pela falta de uma comissão científica independente e permanente que tivesse como missão a assessoria aos decisores políticos, informar a sociedade civil, assim como, o indispensável escrutínio democrático sobre as opções tomadas.

Todos os passos têm sido dados no sentido inverso. Não só uma comissão deste tipo não foi criada, como as próprias “reuniões do Infarmed”, o mais próximo que tivemos de ter a referida comissão, foram suspensas sem justificação plausível.

Esta falta de estratégia teve o seu apogeu simbólico na passada semana, quando António Costa afirma a intenção do governo de tornar obrigatória a utilização da aplicação stayaway Covid. Os próprios produtores da aplicação garantem que tal passo é impossível. Bastaria uma informação de nível básico sobre o seu funcionamento para evitar este triste momento.

Estamos prestes a terminar uma tensa negociação para o próximo orçamento de estado. Sou um optimista, espero que seja aprovado na 25ª hora, trazendo não apenas dotação orçamental suficiente para abranger a resolução da atividade programada, como também o indispensável reforço de profissionais de saúde no SNS. Porque a nossa saúde não pode esperar!

* Enfermeiro especialista em saúde infantil e mestre em saúde pública

IN "healthnews.pt"
22/10/20

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