Um estranho mundo
(não tão) novo
A última novidade é pedirem-nos para registar numa aplicação informações pessoais, sob a justificação de que se visa prevenir situações de contágio. Quando tudo ‘isto’ acabar o que farão ao que armazenaram?
“Porque os detalhes, como se sabe, conduzem à virtude e à felicidade; as generalidades são males intelectualmente necessários”. – Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo
Vivemos tempos anacrónicos.
Somos lestos nas críticas, eficazes
em processos de linchamento público e o dito confinamento, longe de ter
operado um milagre de melhoria na índole das pessoas, trouxe à tona um
novo moralismo.
Criticamos o Avante (onde nunca meti os pés e não
tenciono pôr) mas aceitamos a Feira do Livro. Pior do que isso: nunca
questionámos verdadeiramente o estado de total compactação de cidadãos
nos transportes públicos. Dito de outra forma, em Portugal, a Covid-19
parece ser altamente selectiva: ataca nos territórios de lazer mas,
segundo o nosso Governo, é ineficaz, quer nos locais de trabalho, quer
nos meios de transporte que são facultados aos cidadãos para se
deslocarem.
Não creio na inteligência de um vírus que saiba
distinguir tempos de trabalho de tempos de repouso. E, no meio das tão
sucessivas quanto contraditórias directrizes da Sra. Directora Geral da
Saúde, o que me fica é uma sensação de desconfiança extrema sobre o que
se anda a mandar fazer, incluindo a nova aplicação informática que nos
foi disponibilizada. Começaram por dizer que a Covid-19 nunca chegaria
cá. Chegou. Depois, já com o caos instalado, mandaram-nos não usar
máscara e luvas e acabámos a ser obrigados a usar as primeiras, pela
mesma mão que antes dissera para não o fazer. Pelo meio, fecharam-nos em
casa da mesma forma que, agora, nos mandam sair, sem que se vislumbre
uma assinalável alteração. Durante meses houve alusões a uma curva que,
na realidade nunca achatou, mas que agora desapareceu de todas as
referências.
A última novidade é pedirem-nos para registar numa
aplicação informações pessoais, sob a justificação de que se visa
prevenir situações de contágio. Pergunto, pois, o que farão com as
pessoas que têm que usar o metro ou os autocarros cheios para irem
trabalhar, caso a sua empregadora não tenha insolvido entretanto. Ou que
farão aos meus dados, se um dos meus alunos estiver infectado. Ou, por
último, com a falta de qualidade dos equipamentos de protecção
individual que forneceram nos tribunais (e, já agora, esquecendo
totalmente os advogados), que iniciativas tomarão quando uma das
testemunhas ou dos incautos cidadãos que recorreram à justiça se
declarar infectado? Derradeira pergunta por ora: quando tudo isto tiver
acabado, seja lá o que isto for afinal, o que farão ao que armazenaram?
Nada
do que ora descrevo tem merecido uma grande reflexão. É pena. Antes de
aceitar fornecer seja o que for, designadamente por onde ando, penso
numa outra frase desta vez, de Orwell: “Quem controla o passado,
controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”.
Liberdade? Sempre.
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
04/09/20
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