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Não há festa como esta
Como sempre, arrastamos a conversa para onde ela não deve ir. Para a luta partidária. Quem gosta ou precisa dos comunistas apoia a realização da festa. Quem não gosta ataca violentamente a sua realização.
Estamos na semana da festa do Avante. Situo-me num quadrante político
muito distante do partido organizador deste acontecimento anual que
serve para demonstrar a mobilização de que ainda são capazes, mas também
para angariar os fundos necessários ao pagamento da sua máquina e ao
financiamento dos combates que estão pela frente. As eleições
autárquicas, não esqueçamos, estão já aí à porta. Mas ao contrário do
que tenho visto fazer por todo o lado não venho juntar a minha voz à
daqueles que condenam a sua realização. Acho temerário que o Partido
Comunista se queira expor a riscos que não são negligenciáveis.
Conservadores como são seriam os primeiros, num país que dominassem, a
proibir a sua concretização. Mas como aqui em Portugal a sua voz é
necessária e o seu apoio será importante para o Governo, haverá que
fazer de conta que tudo isto é normal.
O que não é normal é quase tudo o resto. O fundamento da saúde
pública tem servido para tudo. Para fechar a economia e desgraçar
setores de atividade que davam emprego a muita gente, para obrigar tudo e
todos a cumprir as regras de confinamento da DGS, para impedir
associações desportivas e culturais de desenvolver a sua atividade, que
garante a vida de artistas, técnicos, animadores, professores,
treinadores e de um sem-número de trabalhadores que delas dependem
exclusivamente, de inviabilizar o desporto escolar, de dar um golpe
fatal em tantos sonhos que muito custaram a construir.
A hipocrisia e a desfaçatez atingem níveis inimagináveis. Num tempo
em que já quase todos concordam que a pandemia é algo com que teremos de
conviver, em que por toda a Europa vão reabrindo as atividades
económicas assumindo os riscos que naturalmente daí resultam, em
Portugal continuamos a tomar medidas de curto alcance e que pouco ou
nada contribuem para ajudar quem verdadeiramente precisa.
É preferível negar a evidência em vez de assumir a necessidade de
mudar a estratégia. Em política convencionou-se que dar um passo atrás
pode ser eleitoralmente penalizado. Nada mais errado. As decisões
corajosas escasseiam e os problemas vão-se avolumando. Todos sabemos que
a reabertura do ano escolar, a abertura das fronteiras, as enchentes
nos transportes públicos ou o regresso ao trabalho de quem está em casa
sem fazer quase nada são inevitáveis e irão conduzir ao crescimento do
número de infetados e da necessidade de reforçar a resposta dos serviços
de saúde. Mas parece que as boas estatísticas diárias valem mais do que
a sobrevivência de muitos de nós.
É escandaloso ouvir os argumentos de quem continua a sustentar que a
manifestação cultural e política de um partido é muito diferente de tudo
o resto. Seria melhor, por ser verdadeiro, que o critério fosse
idêntico em todos os casos. Mas, como sempre, arrastamos a conversa para
onde ela não deve ir. Para a luta partidária. Quem gosta ou precisa dos
comunistas apoia a realização da festa. Quem não gosta ataca
violentamente a sua realização. E também há aqueles que ficam a meio do
caminho achando que o tempo, ou a sorte, apaga ou limita as coisas. Caso
paradigmático é a posição do Presidente da República quando nas
comemorações do 1.º maio vem dizer que quando aprovou a sua realização
nunca pensou que iria ser assim. Nem ele é tolo nem nós gostamos de
passar por tolos. Mas de maio a setembro parece que ninguém aprendeu
nada.
Vamos ter público nos estádios, nas provas de automobilismo ou de
motociclismo e em todas as outras atividades que, normalmente por
imposição externa, têm por trás interesses poderosos. Portugal continua a
ser pequenino e a não conseguir ser forte com os fortes. Mas se assim
é, poderíamos ao menos aproveitar para libertar a economia e deixá-la
viver com o equilíbrio possível. Salvaguardando normas de segurança
mínimas que nos permitirão viver em comunidade, minimizando as
consequências sociais e económicas que são já irreversíveis e
respeitando a liberdade dos outros. Para que a festa, tal como a
moralidade, seja para todos.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
31/08/20
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