Comportamentos de consumo
As diferentes reações dos consumidores, das empresas e dos mercados perante a instabilidade da situação resulta em comportamentos diversos, abrangentes e inclusivos, mas todos sugerem recear um mesmo inimigo, que neste caso é o tempo.
As diferentes reações dos consumidores, das
empresas e dos mercados perante a instabilidade da situação resulta em
comportamentos diversos, abrangentes e inclusivos, mas todos sugerem
recear um mesmo inimigo, que neste caso é o tempo.
Este período tem sido abundante em opiniões divergentes. Não apenas em
relação às medidas de combate à pandemia, na saúde pública e na
economia, mas também em relação aos comportamentos individuais, nas
mesmas frentes: saúde, trabalho e consumo. É a consequência da
incerteza, que por sua vez implica mais possibilidades, soluções
diferentes para um mesmo problema. Todos os dias nos chegam afirmações, e
o seu contrário, que se assemelham mais a perguntas do que a respostas.
Não é possível saber se o trabalho remoto vai ser transversal a todas
as organizações, se o comércio eletcrónico se vai situar nos valores
atuais, se o "home delivery" vai eliminar idas aos restaurantes, se as
autocaravanas vão substituir os hotéis ou se a venda de automóveis vai
aumentar como forma de evitar os transportes públicos. Para cada uma
destas observações existe um argumento válido em contrário. A
ineficiência do trabalho remoto em alguns setores, a redução do poder de
compra resultante do aumento do desemprego, a nostalgia dos "velhos"
hábitos que pode retardar a transformação dos negócios.
Como
afirmou Brian Chesky, CEO da Airbnb, - com uma presença relevante num
setor particularmente afectado -, a transformação do turismo vai ser
incremental e não de substituição da oferta actual. Ou seja, o consumidor
pós-covid vai querer introduzir na sua experiência de viagem o
conhecimento adquirido durante este período, em que restrições e
limitações obrigaram à criação de soluções de proximidade, deslocações
seguras, destinos com menos densidade populacional, e que no futuro
serão um complemento do "city break".
O mesmo princípio
pode ser aplicado aos exemplos anteriores. Para cada cenário extremado
existe uma alternativa que concilia a experiência passada e a
aprendizagem resultante deste período, ainda que algumas evidências
permitam antecipar novos comportamentos de consumo. Na Ásia está a
aumentar a venda de scooters, que pode ser um indicador para a venda de
automóveis. Está a verificar-se um aumento da procura de casas nas
periferias das grandes cidades, que pode ser um indicador de
estabilidade de trabalho remoto. A Europa foi o continente que verificou
o maior número de downloads de apps de viagens, que pode ser um
indicador da disponibilidade para viajar.
Os
comportamentos de consumo manifestam tendências associadas a estímulos,
que podem ser extensivos ou restritivos, de curto e médio prazo, mas não
constituem um movimento uniforme, concêntrico e exclusivo. Estes
comportamentos são influenciados pelos decisores políticos, com avanços e
recuos consoante os erros que possam cometer, e pelas empresas, que
servem como acelerador da recuperação económica através da sua
capacidade de inovação e adaptação. Em momentos de grande instabilidade,
compete às empresas desenvolver os seus mercados nas circunstâncias em
que o consumo é possível.
Há quem afirme que o facto de
existirem opiniões divergentes pode contribuir para um crescimento
económico sustentado e evitar "bolhas", isto é, crescimento não
suportado pelo valor intrínseco das empresas, defendido da volatilidade
dos mercados financeiros. Esta opinião surge na explicação da
recuperação das bolsas após a queda abrupta de março. Apesar de ser um
indicador de liquidez, é sabido que existe uma discrepância entre os
mercados financeiros e a economia, que o financiamento dos bancos
centrais tem influência na confiança dos investidores, que os sinais de
recuperação da economia, como foi a ligeira diminuição da taxa de
desemprego nos Estados Unidos, têm um efeito exponenciado pelos
investidores não profissionais que não querem perder oportunidades. Uma
vez mais, são as diferentes expectativas dos investidores que
condicionam as flutuações nos mercados de capitais.
Outro
aspecto importante para estimular novos comportamentos neste equilíbrio
de expectativas é perceber como vão os consumidores reagir ao medo de
contágio para evitar que se prolongue o abrandamento no consumo. E
também como vão as empresas responder à diminuição da procura num
mercado global, condicionado por decisões políticas protecionistas. Por
exemplo. O mercado imobiliário em algumas regiões do país estava a
verificar uma inflação acentuada de preços. Não é por isso expectável
que os imóveis transacionados "em alta" cheguem ao mercado no curto
prazo com uma diminuição de preço que implique um prejuízo significativo
para o vendedor, que aposta na atratividade e "poder de fogo" político
de Portugal, para proteger o seu investimento.
O facto de
existirem várias soluções para estes desafios é a evidência de que a
sociedade e a economia estão activamente a explorar alternativas. As
diferentes reações dos consumidores, das empresas e dos mercados perante
a instabilidade da situação resulta em comportamentos diversos,
abrangentes e inclusivos, mas todos sugerem recear um mesmo inimigo, que
neste caso é o tempo.
* Director-geral da OMD
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
02/07/20
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