24/06/2020

RODRIGO ALVES TAXA

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O Leão sem juba

Está tudo ligado no grande círculo da vida. Assim dizia o Rei da Selva num dos mais famosos filmes de animação de Walt Disney, filme esse que há pouco mais de um ano chegou ao cinema em nova versão e que vê agora surgir em Portugal uma outra readaptação à sociedade atual, talvez com menos glamour no que toca a sua majestade, mas com bastantes semelhanças quanto a outras personagens do elenco.

Qual grande Mufasa, el-rei Centeno foi lançado ao abandono do desfiladeiro da vida pelo seu mais próximo e dissipou-se naquilo que, compreendendo tudo quanto o sol ilumina, foi em tempos o seu reino. No entanto, Rafiki Costa logo anunciou a sucessão dinástica, e perante uma corte já meia enfadada desta dinastia, mas que continua a permitir-lhe manter-se no ativo, ruge agora um novo rei na rocha de São Bento: João Leão, sob o cognome de Leão sem juba. Sem ela porque, pese embora, como no filme, também os súbditos das suas terras do reino depositem em si as maiores esperanças, de fé e de boa gestão dos recursos existentes, as grandes manadas partiram e as que sobram são de novo compostas por vacas magras.

El-rei Centeno, que apenas sempre conseguiu manter a ordem à força do apoio mordaz de BE, PCP E PAN, as três hienas de estimação que saíram da penumbra do cemitério dos elefantes em seu auxílio, levou o país ao limite do equilíbrio de sobrevivência, deixando-as a seu bel-prazer chacinar indiscriminadamente as receitas da corte, o que, aliado a uma catástrofe natural que sobre a savana hoje paira, essa, sim, que ninguém poderia prever e dificilmente controlar, faz antever uma dura e quiçá não muito longa tarefa a quem lhe sucede. É talvez aqui que a trama aparenta ser um pouco distinta da originária. Sobretudo porque, nela, a chegada de um novo rei permitia a regeneração das terras do reino, o regresso da fartura e de um futuro risonho, circunstância que aqui não se vislumbra provável – pese embora, confesso, gostava, para bem de Portugal, de ter de vir a admitir que me havia enganado redondamente no desfecho pelicular.

Mas tenham calma. Nada de nervosismos excessivos ou desgostos assolapados. Afinal de contas, “os seus problemas são para esquecer. P’ra sobreviver, tens de aprender, Hakuna-matata!!” Nada mais simples. Por muito escuro que seja o cenário (e não escrevo negro porque agora, como está na moda, uma pessoa já por dizer ou escrever o que quer que seja é racista), nada como ouvirmos os prosaicos ensinamentos do Timon Silva e do Martins Pumba que, mesmo quando não houver nada que se coma, estou certo de que quererão ensinar-nos a comer helmintos. Afinal de contas, “viscoso, mas gostoso!” Mas, aqui chegados, certamente muitos estarão já a perguntar-se se no meu guião não existe nenhum anunciador da voz do rei aos súbditos. Claro que existe.

Como poderia eu realizar este filme sem ter o meu próprio papagaio-mor do regime: Zazu de Sousa, personagem que nesta trama, tal como na realidade que se retrata, acaba sempre por ter um papel secundário. Bem, eventualmente, terciário. Quer dizer, olhem, não sei, é assim uma espécie de coisa. Uma espécie de papel só para entreter. Talvez daí acabe sempre por ser judiado pelos herdeiros da coroa. Mas não nos aborreçamos com isso, cada macaco no seu galho. O Zazu continuará sempre, pelo menos, por ser um animal exótico de lindas e camaleónicas cores a ficar bem nas fotografias. É neste misto de ilusão, divertimento e ridículo que o sol continuará a brilhar e que, tal como, de resto, já a música do filme verdadeiro versa, “é o ciclo sem fim, que nos guiará a dor e a emoção, pela fé e o amor, até encontrar o nosso caminho, neste ciclo, neste ciclo sem fim”. O reino manter-se-á desgovernado, mas rejubilemos todos com o novo rei. O Leão sem juba.

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19/06/20

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