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IN "EXPRESSO"
19/06/20
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Joacine, Cotrim, e Ventura:
quanto vale um deputado único?
Nas eleições de outubro de 2019, três partidos elegeram apenas um
deputado à Assembleia da República. Tal é inédito, pois o desenho dos
círculos eleitorais beneficia os maiores partidos e dificulta a entrada
de outsiders. Desde 1976, e até 2019, apenas 3 partidos conseguiram o
feito: UDP, PSN e PAN. E todos elegerem o seu deputado pelo círculo de
Lisboa.
Nos anos pos 25 de Abril, a UDP foi presença habitual na
Assembleia da República. Era um partido revolucionário e marxista
leninista, que tinha a Albânia maoista por modelo, uma excentricidade
perigosa. Em 1976, elegeu Acácio Barreiros, que vinha dos Comités
Comunistas Revolucionários Marxistas (CCRM). Ainda em 1976, a UDP
reforçou a sua notoriedade com o apoio à candidatura de Otelo Saraiva de
Carvalho, que obteve uns assustadores 16,5% dos votos.
Entre
1979 e 1995, a UDP teve Mário Tomé como cabeça de cartaz. Este foi
eleito para a AR em 1979 e 1980 e, por fim, em 1991, então integrado nas
listas da CDU, numa estranha e pragmática aliança entre o maoismo e o
estalinismo. Mário Tomé tinha carisma. Fez parte do movimento das forças
armadas, foi oficial do COPCON, e era um dos comandantes da polícia
militar no 25 de novembro de 1975, altura em que foi preso. Foi o
carisma de Mário Tomé que ajudou a UDP a manter o seu lugar no
parlamento, e a suplantar outros partidos de extrema esquerda – como o
antes influente PCTP/MRPP, ou o persistente POUS - franja partidária
onde a competição era renhida. Mas, à medida que os anos do PREC iam
ficando para trás, o protagonismo da UDP foi-se esbatendo, e o partido
definhou até ao momento em que ajudou a fundar o Bloco de Esquerda, onde
depois se diluiu.
Em 1991, foi a vez do Partido de Solidariedade
Nacional (PSN) eleger o seu deputado único. Este foi o professor
universitário Manuel Sérgio, que praticou um “populismo light” em defesa
das causas dos reformados. A aventura do PSN foi, porém, sol de pouca
dura. A causa dos reformados é sectorial, e o discurso de Manuel Sérgio
era tudo menos empolgante. O poder de sedução junto do seu eleitorado
foi-se perdendo, e o PSN eclipsou-se sem deixar história.
Entre
1995 e 2015, nenhum partido voltou a eleger apenas um deputado (em 1999,
o Bloco de Esquerda elegeu 2). Nas legislativas de 2015, o PAN elegeu
André Silva, engenheiro civil, que se tornou o seu deputado único até
2019. O PAN foi fundado em 2011 como Partido dos Animais e Natureza.
Depois, deu-se conta da necessidade de juntar uma nota de humanismo, e
mudou o nome para Pessoas-Animais-Natureza. Apesar da André Silva não
ter jeito, carisma ou conteúdo, o partido cresceu para 4 deputados em
2019, sobretudo por conta do eleitorado urbano.
Por fim, três
partidos elegeram deputados únicos em 2019. Com as suas possibilidades
de intervenção parlamentar limitadas, os deputados únicos acabam por
procurar outras vias para se fazerem notar. A princípio, Joacine Katar
Moreira - um erro de casting que, graças à absurda forma de escolha de
deputados do Livre, conseguiu sobrepor-se à escolha de Rui Tavares, o
candidato óbvio do partido - deu muito que falar. Nos últimos tempos,
após a desvinculação do Livre, a deputada pura e simplesmente
desapareceu do espaço público. Protegida pelo conveniente escudo do
anti-racismo, Joacine está como sonhou: não tem de prestar contas a
ninguém, muito menos ao seu eleitorado, e pode continuar a tentar
disfarçar a sua irrelevância política, agora com o argumento das
limitações de um deputado não inscrito.
O deputado único da
Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, tem mantido um perfil
discreto. Como não está a alinhar no jogo populista, não tem tanto tempo
de antena quanto Joacine ou Ventura. Durante o confinamento, Cotrim
Figueiredo teve, contudo, mais oportunidades para se fazer notar. Foi o
que aconteceu em recentes aparições televisivas, e na sua intervenção no
25 de abril. A Iniciativa Liberal ficou a ganhar com a substituição de
Carlos Guimarães Pinto por Cotrim de Figueiredo, que alia uma postura
sóbria a um discurso estruturado.
Já André Ventura esteve como
peixe na água como deputado único até ao início do confinamento: as suas
intervenções geravam soundbites, mantinha uma coluna num jornal, e
discutia futebol na televisão. Era o caldo perfeito para o seu populismo
demagógico. Mas o confinamento retirou-lhe o palco mediático, sem o
qual Ventura não consegue viver. Em desespero, sobretudo porque as
presidenciais estão à porta, tem protagonizado um espetáculo patético:
demitiu-se por “culpa” de uma oposição invisível; promoveu abaixo
assinados contra as cerimónias do 25 de abril; e entrou num “bate bola”
com Ricardo Quaresma, que acabou por custar-lhe o lugar de comentador
futebolístico.
Ser deputado único não é tarefa fácil, e são
poucos os que conseguem vingar. Dos que foram eleitos em outubro
passado, apenas um tem resistido às tentações do mediatismo oportunista e
da demagogia oca. Só por isto, João Cotrim de Figueiredo merece ser
seguido com mais atenção.
IN "EXPRESSO"
19/06/20
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