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IN "OBSERVADOR"
22/06/20
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O assassinato de Pedro Lima,
segundo o Correio da Manhã
O director do Correio da Manhã decidiu instrumentalizar o suicídio de Pedro Lima para servir os seus interesses de combate ao governo e à empresa que a Cofina, ainda há poucos meses, tentou comprar.
O Correio da Manhã (CM) fez domingo, como seria de se esperar,
manchete com a trágica morte de Pedro Lima. Ao lê-la, fiquei enojado não
com o já costumeiro sensacionalismo do referido jornal, que
habitualmente se aproveita de tragédias semelhantes para aumentar as
vendas, mas com as nada subtis sugestões que, nunca fundamentadas, vão
sendo feitas quer pela redação, quer pelo próprio Octávio Ribeiro,
director do CM, no editorial que acompanha a história.
Comecemos desde logo pela capa. Nela, em nenhum momento se
refere explicitamente a causa provável da morte (suicídio), não por um
qualquer zelo jornalístico que impeça o jornal de avançar factos ainda
não confirmados oficialmente, mas porque, como veremos mais à frente,
para Octávio Ribeiro e para o CM não foi, em última análise, de um
suicídio que se tratou. Ao centro, lemos as emotivas mensagens de
despedida que o actor terá alegadamente enviado aos seus amigos
próximos, em que lhes pedia que olhassem pelos seus cinco filhos,
criando-se desde logo a imagem do bom homem que Pedro Lima terá sido,
para assim se aumentar ainda mais a dimensão da tragédia e a justa
comoção à sua volta. Evidentemente, não tenho qualquer motivo para
duvidar da bondade de Pedro Lima, da qual estou, importa sublinhar,
absolutamente convencido. Ainda que assim não fosse, ainda que Pedro
Lima não fosse um pai extremoso de cinco jovens crianças ou um nadador
olímpico, a tragédia não seria, pelo menos como eu a vejo, menos
assinalável.
Do lado esquerdo, lemos depois: “Covid-19 cortou-lhe
ordenado para metade, andava deprimido”. Ao ser veiculada assim, não se
baseando em qualquer fonte fidedigna, esta manchete sugere uma
correlação entre os dois factos. Que mais à frente, no corpo da notícia,
se recorde que o actor sofria de uma depressão há já dois anos parece
ser irrelevante, por contradizer a narrativa que tanto jeito lhes dava.
Este é, aliás, o modus operandi do jornal: estabelecer
correlações mais ou menos arbitrárias entre factos, sem para isso as
validarem com qualquer fonte segura. Para o CM, o que poderia
perfeitamente ter acontecido é mais importante do que aquilo que tudo
indica poder ter acontecido.
Avancemos para a página 5, onde, ao
lado de uma fotografia da família de Pedro Lima (evidentemente, o jornal
não se coibiu de mostrar o rosto dos cinco filhos do actor, achando que
não valia a pena poupá-los à exposição pública de uma família feliz
agora destroçada), lemos a nota editorial de Octávio Ribeiro, intitulada
de ‘A Onda Grande’.
Aí, Octávio Ribeiro escreve que “na última década, os espanhóis da
Prisa passaram a desviar lucros da TVI para cobertura da imensa dívida
em Madrid”, o que, segundo o director do CM, serviu para esmagar os
interesses dos actores, “incapazes de organizar-se na defesa comum”.
Despreocupadamente, Octávio Ribeiro conclui: “a paralisação ditada pela
pandemia e a falta de visão e peso da ministra da cultura geraram a
tempestade perfeita. Um tsunami de desesperança e dívidas ameaça muitos
rostos queridos para todos os portugueses”.
Octávio
Ribeiro decidiu, portanto, instrumentalizar o suicídio de Pedro Lima
para servir os seus interesses de combate ao governo e à empresa que a
Cofina, ainda há poucos meses, tentou comprar. Para isso, não se coibiu
de se servir também do combate daqueles que se manifestam, muito
justamente, por um maior e mais bem distribuído orçamento para a
cultura, ainda que ache que esse orçamento era bem melhor usado para a
produção de novelas e, suponho eu, musicais do La Féria. Como se não
fosse pouco, Octávio Ribeiro sugere ainda que isto possa ter sido apenas
o início de uma vaga suicida por parte dos “rostos queridos” de todos
os portugueses.
O que o tratamento desta notícia deixa bem claro é, portanto, mais um
exemplo da absoluta subserviência da verdade aos interesses dos grandes
grupos económicos que financiam o CM, sendo evidente que Octávio
Ribeiro e o CM estão mais do que dispostos a marionetar as notícias de
forma a que estas exponham não o que realmente lhes aconteceu, mas o que
lhes dava bastante jeito que tivesse acontecido, ainda que para isso
tenham de imputar a Graça Fonseca e à Prisa a trágica morte de alguém
que aparentemente há anos lutaria com uma depressão.
Uma última
nota pessoal: durante muito tempo, achei que não ler o CM era a atitude
moral que deveria ter. Ao ler isto, penso se será mesmo assim. Não sei
se é melhor não patrocinar estes exercícios abjectos ou se não os
devemos acompanhar de perto, uma vez que, ao não os lermos, estas
brutais violações da verdade e da deontologia continuarão a passar em
claro e a servir para moldar as opiniões dos muitos milhares de leitores
e espectadores a quem a Cofina apresenta uma verdade à la carte.
22/06/20
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