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IN "ESQUERDA"
18/06/20
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Enfermeiras e enfermeiros
não vão em futebóis!
É preciso muita desfaçatez para atribuir a decisão da UEFA a um acto simbólico para premiar os profissionais de saúde que combatem os efeitos da covid-19, nos diversos níveis de prevenção.
É preciso muita desfaçatez para atribuir a decisão da
UEFA a um voto de confiança ao trabalho desenvolvido na contenção da
propagação do coronavírus ou a um acto simbólico para premiar os
profissionais de saúde que combatem os efeitos da covid-19, nos diversos
níveis de prevenção.
A realização da final da Liga dos Campões na cidade de
Lisboa em nada beneficia as/os que diariamente prestam cuidados, nas
mais indecorosas condições de trabalho e sem que o reconhecimento
profissional tenha, de facto, lugar. E, já agora, mesmo como prémio
seria amplamente desigual, já que não abrange a totalidade do país.
No que à enfermagem diz respeito as reivindicações pré-pandemia
permanecem intactas. Aliás, a própria crise sanitária veio agravar o
sentimento de desprotecção, injustiça e desrespeito por parte da tutela.
Se é certo que o reconhecimento social incrementou – veremos até
quando, sabemos, bem, o quão cíclico costuma ser –, o mesmo não se
verificou no que concerne à profissão em si. As posições remuneratórias
não sofreram alterações, as carreiras continuam por desenvolver, a
dotação de profissionais de saúde continua inferior às necessidades, a
falta de material não foi resolvida, as rupturas de stock de
equipamento de protecção individual são frequentes, as condições
estruturais das instalações são, em tantos locais, indignas etc., etc.,
etc....
Em plena pandemia as e os profissionais de saúde apenas
receberam risco acrescido. Ante a exposição a um novo agente, mais horas
de trabalho, piores condições para o exercício profissional e a afronta
da suspensão dos seus direitos laborais ditada pela decretação do
Estado de Emergência. Recorde-se que o Estado de Emergência retirou os
direitos de resistência e de greve, previstos na Constituição da
República Portuguesa, sem que sequer, alguma vez, os profissionais de
saúde ousassem pensar em tal exercer naquela situação. Registamos o acto
musculado por parte da tutela. Os mesmos que hoje pretendem louvar o
esforço desempenhado, sentido de estado e abnegação pessoal dos
profissionais de saúde, são os mesmo que deliberaram a retirada
preventiva de direitos, não fossemos, nós, da noite para o dia,
tornarmo-nos irresponsáveis.
São inúmeros as/os enfermeiras/os especialistas que
prestam, diariamente, cuidados especializados de enfermagem sem que
tenham sequer sido integrados na respectiva carreira. É com elevada
abnegação que são prestados os melhores cuidados às pessoas que deles
carecem, pois é na procura da excelência que o desenvolvimento tem
lugar. É com o objectivo de aprimorar a qualidade dos cuidados e melhor
responder às necessidades das pessoas, famílias e comunidades que um/a
enfermeiro/a decide investir na sua especialização. A imposição de numerus clausus
para aceder à categoria de Enfermeiro Especialista traduz-se em
injustiça flagrante ante a especificidade dos cuidados oferecidos.
E o que dizer da diferenciação entre enfermeiros em
contratos de funções públicas e enfermeiros em contrato individual de
trabalho? E a tábua rasa efectivada a quem presta cuidados há décadas,
tendo sido destruída qualquer expectativa de chegada ao topo da carreira
no decurso da sua vida profissional? Que meios de compensação da
penosidade e risco foram determinados, quer os inerentes ao exercício de
enfermagem em si, quer os referentes ao trabalho por turnos e trabalho
nocturno? Quantas/os enfermeiras/os com mais de 50 anos continuarão
obrigados a fazer noites? Que valorização dos graus académicos obtidos e
sua articulação com a investigação e docência?
As e os profissionais de saúde não precisam de prémios,
muito menos desta índole. Precisamos, sim, da devida dignificação da
profissão, conferindo uma carreira e salário consentâneos com as
características do exercício de funções.
* Enfermeira na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais do Hospital de Santa Maria
IN "ESQUERDA"
18/06/20
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