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IN "PÚBLICO"
29/04/20
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A saúde não pode
ser posta em espera
O telefone toca mas ainda estou a trabalhar. O mesmo número… insiste.
Peço para deixar mensagem: “Doutora, sou seu paciente mas estou a ligar
por causa da minha mãe. Doutora, quando puder veja a mensagem, é
importante. Posso falar assim que possível?” Assim que termino a
consulta, devolvo a chamada. Percebia-se que algo não estava bem. O
filho ligava porque a mãe já não conseguia falar. Teve de ser ele a
contar-me o que se passava.
Há duas semanas que a asma, uma doença respiratória crónica que afecta
cerca de um milhão de pessoas em Portugal se estava a agravar. “Doutora,
a minha mãe não me disse nada, não quer ir ao hospital, tem receio
deste vírus… mas está a usar o inalador de SOS para conseguir respirar.”
E continuou: “Não consegue terminar as frases, cansa-se muito até a
falar… usa várias inalações do inalador de SOS, aí umas quatro ou cinco
de cada vez, mas usa cada vez mais, agora já é de hora a hora.” Não
precisávamos de mais, era claramente uma situação para cuidados médicos
imediatos. Não queria ir, mas o agravamento dos sintomas, a pressão e a
angústia dos familiares e a recomendação médica expressa, fizeram com
que finalmente a doente recorresse a cuidados médicos. A asma estava
descontrolada. Foi atendida prontamente no hospital. Não era, nem é
covid-19. Era “só” asma, que lhe ameaçava a vida.
Maria (nome fictício) tem rinite alérgica e asma há mais de 30 anos.
Já tinha ficado internada no passado mas não tinha uma “crise” há mais
de cinco anos. Era acompanhada regularmente em consulta, cumpria o
tratamento preventivo diário. Mas este vírus assustou-a, ouviram-se
muitos receios quanto ao tratamento que fazia e por isso reduziu-o… e
parou-o. Começou a ter algumas queixas, “pequenas no início” mas também
não foi ao médico. “Não queria ir à consulta. Sei que a asma é um factor
de risco na covid-19 e também já não sou assim tão nova”, diz agora
sorrindo.
Infelizmente casos como o da Maria têm-se repetido.
O novo coronavírus obrigou a grandes mudanças na vida de todos nós.
Foi preciso declarar Estado de Emergência. Não se fala de outra coisa. É
tudo covid-19. Mas a saúde não pode ser posta em espera. Precisamos
sempre de saúde e agora podemos dizer que ainda mais. As outras doenças
continuam a existir. Doenças crónicas, doenças agudas, todas se mantêm e
não podem ser “maltratadas”.
Não podemos aceitar que as pessoas
aguentem queixas, atrasando diagnósticos e tratamentos.
Tumores que não
são diagnosticadas, enfartes, Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) que
não chegam a tempo de serem tratados, cirurgias de emergência quando
podiam ser feitas mais precocemente e sem complicações, tratamentos que
são parados por receios infundados sem conselho médico, doenças crónicas
que perdem o seu controlo por falta do necessário seguimento regular,
qualidade de vida que se perde vertiginosamente, vidas que ficam em
risco…
As Unidades de Saúde reorganizaram-se, de forma célere, para dar a
resposta adequada a esta situação. O novo coronavírus obrigou a mudanças
sim, mas que permitem a continuidade da prestação de cuidados de
qualidade. Hoje há muitas mais teleconsultas, através de vídeo, do
telefone, a tecnologia como ela deve ser usada, ao serviço do ser
humano.
São mudanças, sim, mas positivas. Sem ter de sair de casa,
o médico vai ter com o doente. Ouve-se, vê-se, fala-se, analisam-se
resultados, dão-se conselhos, esclarecem-se dúvidas, orientam-se
situações clínicas para o melhor tratamento, tudo isto sem riscos
acrescidos de exposição ao vírus.
Crianças e alguns idosos precisam de apoio no uso de algumas tecnologias
digitais ou até mesmo do telefone como sempre… Estamos cá para isso, a
família, os amigos, os cuidadores. Esta via remota de acesso a cuidados
médicos traz várias vantagens sobretudo neste contexto de pandemia que
não está ultrapassada. Mas os casos mais graves, as urgências, sempre
que não for possível a teleconsulta ou que for importante a observação
directa, a realização do exame ou do tratamento, a Equipa de Saúde está
presente, organizada, com circuitos cuidadosamente definidos para
garantir os cuidados necessários de forma segura.
A saúde não pode ser posta em espera. Não o devemos fazer. As medidas de
isolamento social, as máscaras, a higiene das mãos são essenciais, mas é
muito importante também ter as outras doenças controladas, isto é, sem
queixas (ou com o mínimo de queixas possível), sem valores alterados e
sem necessidade de tratamentos em “SOS”. Pela qualidade de vida, pelo
bem-estar e também para diminuir o risco se o coronavírus nos vier a
afectar, e porque é seguro e continuamos a ter cuidados de saúde de
excelência, a saúde não pode ser posta em espera.
* Imunoalergologista no Centro de Alergia do Hospital CUF Descobertas e
coordenadora de Imunoalergologia no Hospital CUF Infante Santo
IN "PÚBLICO"
29/04/20
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