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IN "DINHEIRO VIVO"
16/04/20
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Restauração: “Com” vadis?
A prolongar-se esta situação, mais de 20% dos restaurantes não vão reabrir.
Para quem está de fora do negócio, a
restauração é uma atividade onde se faz muito dinheiro. Para quem está
dentro do negócio da hotelaria, a restauração é onde se perde muito
dinheiro. Quem trabalha exclusivamente em restauração sabe que este é um
negócio de margens, e de margens bem curtas.
Quem tem um restaurante está bem
familiarizado com a regra do 1/3. Eu explico: 1/3 é o custo da comida;
1/3 é o custo do pessoal; e 1/3 são os custos fixos com as instalações, a
eletricidade, a água, o gás, os seguros, as licenças, etc. Num mundo
feliz sobraria uma margem de 10%. Acontece que o mundo não é feliz e não
raras vezes há uma derrapagem no consumo de eletricidade, ou um custo
extra com qualquer equipamento que necessita ser reparado ou
substituído. E o resultado é que a tal margem dos 10% fica
invariavelmente pelos 7%. Portanto, é esta a margem de lucro de um
restaurante normal. E digo-o assim já a abrir para todos saberem qual o
ponto de partida.
Com a pandemia e o encerramento compulsivo
dos restaurantes, o setor da restauração entrou em choque. Segue-se
avidamente o que se passa na China com o seu “regressar à normalidade”
para tentar perceber e antecipar o que terá de ser feito em Portugal. Os
restaurantes vão ter de guardar uma distância sanitária segura entre os
assentos? Vão ser proibidos jantares de grupo? Os funcionários têm de
usar máscara e medir a temperatura corporal diariamente assim como já o
fazem com os alimentos seguindo os protocolos do HACCP? Como é que se
voltam a encher restaurantes no pós-covid?
Como vão os restaurantes sobreviver? E como serão os seus modelos de negócio?
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Comecemos pela primeira. Estimo que a
prolongar-se esta situação, mais de 20% dos restaurantes não vão
reabrir. E não vão porque não querem sequer recorrer a um crédito que
lhes possibilite uma reabertura num ambiente económico que sabem lhes
será muito adverso.
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Também não será com campanhas cheias de boa vontade como a #atuamesa,
que apela aos clientes a comprarem já vouchers para refeições de que vão
usufruir após a pandemia. Os clientes também estão a sofrer com
lay-offs, aumento dos consumos de eletricidade, água, gás, entre muitos
outros e a última coisa que quer e vai pensar é em pagar por uma
refeição do qual não sabe quando vai usufruir.
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Não faz sentido.
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Não faz sentido.
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Fala-se depois nas aplicações de delivery e
aponta-se como a afirmação definitiva destes serviços e a criação de
hábitos que irão ser o futuro da restauração. Eu diria que se esse é o
futuro, os restaurantes estão tramados. As comissões pagas a estas
plataformas – sempre na ordem dos 30% – são, logo à partida, uma
variável difícil de encaixar na equação que em cima formulei do 1/3 dos
custos. Se é certo que existem modelos de restauração que encaixam na
perfeição no home delivery – pizas, hambúrgueres, churrascos e sushi -, a
maioria não se presta a estas odisseias.
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Os restaurantes são muito mais do que comida, são experiências e essas
ainda não seguem por mota ou bicicleta. Mas há mais, no mundo das apps
de delivery não importa se o meu restaurante está na Portela ou em
Santos; em Belém ou em Benfica. O sentido de vizinhança, que tanto
cliente fornece aos restaurantes, deixa de fazer sentido. Irá imperar o
mundo puro e duro dos rankings, das classificações e não a lógica do
senhor João da tasca da esquina ou do George daquele restaurante grego
ali em baixo na rua. E manter um restaurante aberto para servir 20
refeições por semana deixa de fazer sentido. Portanto, não será pelas
entregas em casa que lá vamos.
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Quando voltarmos à rua o mundo vai estar diferente. E assim irá
permanecer até que seja descoberta uma vacina ou que haja imunidade de
grupo comprovada. E assim os restaurantes que forem resilientes terão de
encontrar soluções inovadoras que vão além das impostas pelo
distanciamento social e da consequente redução da lotação dos
restaurantes. Menos empregados, menus mais simplificados, controlo dos
custos mais apertado.
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Será que isto chega?
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Não, não vai chegar. O mal desta crise é que é global e o bom desta
crise é também ser global. Qualquer solução encontrada terá
inevitavelmente de ser… global.
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* CEO da Message in a Bottle e proprietário do Restaurante
Geographia
IN "DINHEIRO VIVO"
16/04/20
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