25/04/2020

PEDRO TADEU

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O coronavírus pode matar
 o 25 de Abril?

A discussão em torno das comemorações oficiais do 25 de Abril deste ano nada tem de parva.

Em Portugal há, neste momento, cerca de 4 milhões e 300 mil pessoas que terão hipótese de ainda se lembrarem do 25 de Abril, mesmo vagamente, por, em 1974, terem mais de sete ou oito anos de idade.

A grande maioria dessa gente sente uma enorme alegria quando recorda as manobras militares e a mobilização popular no Largo do Carmo, em Lisboa.

A explicação para essa alegria é muito simples: na véspera desse dia, quando foram dormir, não podiam dizer em público o que pensavam, mas, surpreendentemente, no dia seguinte, podiam falar à vontade.

Qualquer pessoa que atravessou essa fronteira de entrada na liberdade não consegue deixar de pensar que o 25 de Abril foi a data mais importante e mais feliz da vida política do Portugal contemporâneo - e mesmo a dura luta política/partidária que se seguiu não matou esse amor por esse dia em nenhuma das principais fações políticas do país.

Para estes portugueses não comemorar o 25 de Abril de 1974 é uma traição a si próprios e, por isso, terão tendência a querer impor uma celebração no Parlamento, mesmo em tempo de distanciamento social motivado pelas razões de saúde pública disseminadas pelo novo coronavírus.

Há, porém, uma parte dos atuais 4 milhões e 300 mil portugueses com idade para terem vivido o Dia da Liberdade que odeia apaixonadamente as comemorações.

São os derrotados da época, alguns dos que perderam bens pela descolonização ou pelas nacionalizações que se seguiram; vários dos que no dia 24 de Abril davam vivas a Marcelo Caetano e no dia 26, sem sinceridade, viravam a casaca para sobreviverem a gritar "Viva a Liberdade!".

Há ainda outros que não acreditam nas virtudes da democracia e acham que isto só lá vai com um novo Salazar e, por fim, outros que, em público, na comemoração anual, são capazes de andar de cravo vermelho ao peito mas, na realidade, na defesa dos seus interesses pessoais ou das gentes que representam, procuram liquidar os fundamentos solidários, de justiça social, de igualdade e de fraternidade que enraizaram o 25 de Abril.

Para estes portugueses, sempre que se puder sabotar a comemoração, melhor - e a polémica sanitária para impedir a cerimónia no Parlamento é hipocritamente instrumental.

Mas há 46 anos atrás nem eram nascidos ou eram apenas bebés os restantes cinco milhões e 900 mil cidadãos que hoje vivem no país: uma larga maioria de portugueses de hoje, portanto, não viveu a Revolução dos Cravos.

Para estes, o 25 de Abril é uma perceção dada pela herança da experiência dos mais velhos da família ou pela cultura adquirida nos professores, nos livros, nos filmes e nas músicas.

É por isso espantoso ver, todos os anos, as comemorações populares do Dia da Liberdade, em todo o país, cheias de gente que não era nascida em 1974.

Para estes portugueses, os discursos do 25 de Abril na Assembleia da República pouco significam, o que vale é a festa nas ruas e essa, com a COVID-19, não pode este ano acontecer... Se a mobilização popular se perder com esta paragem, não há comemorações oficiais que valham ao 25 de Abril!

Mas as gerações dos que já não viveram o 25 de Abril de 1974 têm também uma fatia de pessoas para quem a data é pouco significativa ou, até, culpada pelos males do regime: pela corrupção no Estado, pelo abuso da grande finança, pela desigualdade de oportunidades, pela justiça lenta, pela vida má que levam.

Para estas pessoas o 25 de Abril de 1974 não representa nada de especial porque acham que a data já não as defende de alguma coisa que seja preciso, realmente, defender. Para elas a liberdade não é uma conquista, é um status quo.

Estes portugueses tendem a condenar as próximas comemorações com 130 pessoas no Parlamento, numa altura em que são obrigadas a cumprir o distanciamento social: para eles esta celebração, nestas condições, é mais um abuso de privilégio dos que têm poder.

É por tudo isto que a discussão em torno das comemorações do 25 de Abril deste ano nada tem de parva.

Não é, em primeiro lugar, parvo discutir, em tempos de distanciamento social generalizado, uma forma de comemoração oficial que respeite escrupulosamente as práticas de defesa da saúde pública contra o coronavírus - é mesmo obrigatório e responsável.

Mas, a partir do momento em que esteja criado um modelo sanitariamente aceitável para a celebração do 25 de Abril na Assembleia da República, a discussão sobre se deve ou não haver tal cerimónia não só não é parva como é fundamental para definir uma tendência do futuro ideológico de Portugal: trata-se de optar entre tentar manter ou deixar desvanecer na sociedade o peso do simbolismo do Dia da Liberdade.

Querer ou não querer cerimónia sobre a Revolução dos Cravos no Parlamento é estar do lado dos velhos ou dos novos que gostam desse dia ou estar do lado dos velhos ou dos novos que não gostam ou são indiferentes a ele.

Eu opto pelos que gostam e querem celebrar a Liberdade e tenho uma magna razão: se não a celebrarmos, a Liberdade perde importância e um dia, surpreendentemente, posso acordar e perceber que, afinal, já não posso dizer em público aquilo que penso.

Aliás, para que não restem dúvidas, é bom frisar que o 25 de Abril deste ano vai ser celebrado com o país em Estado de Emergência, em estado de limitação da liberdade... É melhor, por isso, não facilitarmos muito, que há por aí muitos malucos com tiques de ditador e o coronavírus não pode matar o 25 de Abril.

Vamos lá arranjar maneira de celebrar o Dia da Liberdade - por exemplo, a cantar à janela, pelas 15 horas do próximo sábado, o hino da revolução, Grândola Vila Morena.

IN "PLATAFORMA"
20/04/20

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