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Morrer de saudades
Um
colunista não é, necessariamente, alguém que sabe mais do que aqueles
que o leem. É apenas uma pessoa que tem a pretensão de pensar que aquilo
que coloca no papel pode ser interessante para ajudar à reflexão dos
outros.
Nesta crise, em que
vejo pouca televisão e me protejo da catadupa de notícias que nos chegam
de toda a parte, tenho a certeza de que muitos dos leitores estão
bastante melhor informados sobre o quotidiano do que eu.
Face
às flagrantes hesitações de quantos são tidos por especialistas nestes
assuntos, e que se recusam sabiamente a dar opiniões definitivas, ficou
implicitamente autorizada a vinda à tona dos "técnicos de bancada", dos
que juntam dados colhidos em várias fontes e se atrevem a formular
teorias sobre o vírus, a mandar bitaites sobre a tal "curva" e coisas
assim. Muitos são antigos escribas de generalidades, outros são
políticos em "pousio", a maioria são os "tudólogos" do costume. Põem um
ar grave e aí vai disto!
Há ainda os
das redes sociais. Prolíficos nas sinistras "partilhas", se acaso têm
"uma prima no Curry Cabral" que lhes deu umas dicas em privado, passam a
oráculos. Fujo deles a sete pés. Não me "infetam" com as suas teorias,
sejam pseudocientíficas, sejam de natureza conspiratória ("sabia que há
um site búlgaro que anunciou que o que "eles" não querem é pôr cá fora a
vacina que já existe?")
Sou um cidadão
comum. Nada sei de relevante sobre esta pandemia, pelo que entendo
dever ter a humildade de me deixar guiar por quem, embora não sabendo
tudo, e estando também a aprender dia a dia, sabe seguramente muito mais
do que eu poderia alguma vez saber - mesmo que me desse ao trabalho de
ouvir tudo (e não ouço), que andasse a coscuvilhar na Internet sobre o
muito que se especula pelo Mundo (e não ando). Nesta matéria, vivo a
serenidade de quantos confiam apenas no que as autoridades de saúde nos
dizem para fazer, somado àquilo que o bom senso me aconselha. E, como se
dizia noutros tempos, o que for soará.
É
sobre o bom senso, a única coisa em que posso pronunciar-me, que
gostaria de deixar uma nota. Imagino que as angústias da solidão,
somadas às tensões do confinamento, levem uns tantos a uma ideia: se se
passou uma quarentena de mais de meio mês, sem sintomas, o mais provável
é que se não esteja infetado. Daí a pensar dar uma saltada à terra ou à
casa da família mais íntima, para uma Páscoa discreta, o passo é
pequeno e a tentação é grande. Não faça isso! Pode ser trágico. Vale
mais morrer de saudades do que morrer.
* Embaixador
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
01/04/20
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