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IN "PÚBLICO"
07/03/20
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Os vírus que põem
a democracia em risco
O Presidente da República e o primeiro-ministro não podem desvalorizar os riscos que a democracia portuguesa corre.
Globalmente, o Governo tem agido bem na tentativa de conter o
alastramento em Portugal da epidemia do coronavírus. Tem transmitido
informação e tentado criar sentimentos de controlo e de tranquilidade,
apesar de, evidentemente, existirem falhas e algumas hesitações, que,
aliás, espelham o deficiente conhecimento sobre a doença a nível
mundial. É de saudar a segurança política demonstrada pelo primeiro-ministro, António Costa, a capacidade política e institucional da ministra da Saúde, Marta Temido, bem como a gestão da crise pela directora-geral de Saúde, Graça Freitas.
Sinto-me na obrigação de manifestar solidariedade para com Graça Freitas pela situação em que foi colocada pelo Expresso,
ao fazer manchete de uma suposta declaração sua sobre o coronavírus,
quando, de facto, na entrevista, Graça Freitas se referia a um modelo
teórico de cenarização e não à realidade portuguesa actual. Pior. A
primeira página do semanário foi divulgada isoladamente, sexta à noite, e
usada como argumento no Expresso da Meia-Noite, completamente
descontextualizada. Causar alarme público não é a função do jornalismo.
Se o Governo tem cumprido em relação à epidemia, há domínios em que
primeiro-ministro, António Costa, não tem conseguido garantir a
estabilidade institucional que sustentam a autoridade do Estado
democrático. O exemplo mais paradigmático é as duas tentativas falhadas
de eleger os representantes da Assembleia da República nos órgãos institucionais externos. Uma crise que sacrificou Correia de Campos, enquanto presidente do Conselho de Concertação Social.
É
certo que António Costa não está sozinho nesta criação de instabilidade
institucional. O líder do PSD, Rui Rio, também contribuiu. Tendo havido
conversações entre a direcção máxima do PSD e a cúpula do PS, pelo
menos para a elaboração conjunta da lista de candidatos ao Conselho
Superior de Justiça (CSM), o sentido de responsabilidade institucional
de Rui Rio não podia ter permitido que os deputados do PSD ficassem à
solta nesta votação. E foi disso acusado pela líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendonça Mendes.
Mas atenção: a fuga de votos foi também expressiva entre os
socialistas. Não é compreensível que António Costa tenha proposto para o
Tribunal Constitucional alguém com o currículo de Vitalino Canas, nem
que tenha incluído José António Pinto Ribeiro na lista para o CSM,
depois do absentismo que este manteve no Conselho Superior do Ministério Público. É desejável que a escolha de novos nomes demonstre bom senso institucional.
O Governo e os partidos parlamentares têm obrigação de garantir que o
Estado democrático e a estabilidade institucional não são postos em
causa por taticismos de guerrilha partidária. Isto no momento em que
estão a deslassar os valores éticos e a estabilidade institucional da
democracia perante investigações de corrupção no topo da hierarquia do aparelho judicial e depois de as Forças Armadas terem sido postas em causa pelo processo de Tancos e agora pelas investigações do Tribunal de Contas ao Hospital das Forças Armadas.
Ao encerrar a conferência dos 30 anos do PÚBLICO, o Presidente da República apelou aos
consensos de regime e ao diálogo entre partidos parlamentares. Mas não
são apenas o Governo e os partidos que estão a falhar na transmissão à
sociedade da autoridade de Estado e a permitir que se instale um caldo
de cultura que pode pôr a democracia em risco.
Marcelo Rebelo de Sousa também não tem sabido manter o bom senso
institucional devido ao primeiro órgão soberania do Estado. A falta de
contenção e o excesso de exposição são perniciosos para a estabilidade
político-institucional. O exemplo mais recente é a forma como falou
sobre a epidemia do coronavírus. Qual o interesse de o Presidente da
República dizer que queria estar ao pé dos doentes?
A gravitas
é a essência do exercício do poder político. É vital à democracia que
quem ocupa lugares político-institucionais na hierarquia do Estado vele
pela manutenção desse simbolismo, enquanto referências de autoridade do
Estado democrático. A banalização que Marcelo Rebelo de Sousa tem feito
do exercício das suas funções é perniciosa à democracia, porque encerra
em si mesmo populismo e abre a porta aos extremismo
O Presidente da República e o primeiro-ministro não podem
desvalorizar os riscos que a democracia portuguesa corre. Para mais,
quando, no Parlamento, está o deputado André Ventura, que – para quem
tivesse dúvidas –, na apresentação da sua candidatura às presidenciais, no sábado, foi bem explícito a mostrar ao que vem, como relatou Maria Lopes, na magnífica reportagem do PÚBLICO.
Aplaudido por uma plateia composta por uma espécie de órfãos tardios de
Salazar, André Ventura proclamou que o “sistema já não serve” e assumiu
que quer “passar para a Quarta República” – provavelmente, um regime
autoritário.
Valha à democracia portuguesa que, apesar de
hesitações no início da legislatura, o presidente da Assembleia da
República, Eduardo Ferro Rodrigues, tenha sentido de Estado, uma longa
experiência política e uma sólida cultura democrática.
IN "PÚBLICO"
07/03/20
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