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IN "ESQUERDA"
27/03/20
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Ante a chantagem, requisição
das estruturas privadas de saúde, já!
Iniciou-se a 26 de março o designado período de mitigação do COVID-19, período de elevada exigência para todas e todos, com particular relevância, perdoem-me o viés, para as/os profissionais de saúde de todos os estabelecimentos de saúde.
O combate ao novo coronavírus
deveria ser assumido, transversalmente, por todos como a prioridade
principal. Este é o tempo de reunião de esforços, meios e recursos para
dar resposta às demandas deste agente vivo que condiciona, de forma
flagrante, a saúde da população. Todos os dias somam-se os exemplos de
solidariedade, desde a doação de refeições, à confecção de máscaras e
material para os profissionais de saúde vestirem, sem esquecer
equipamento de protecção individual, ou a organização comunitária e
social para minimizar os impactos da pandemia na gestão diária das
nossas vidas. Estas iniciativas, desenvolvidas inclusive por
desempregadas e desempregados, espelham a solidariedade e espírito de
missão, senão mesmo a responsabilidade e o papel diferenciador que cada
um e cada uma de nós pode ter.
Ora, esta circunstância contrasta ainda mais com a atitude revelada
por alguns agentes do sector privado de saúde, sector de quem se
esperava abnegada dedicação e responsabilidade social. Ao invés, no
mesmo dia em que iniciou a segunda fase de mitigação da pandemia do novo
coronavírus, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP)
vem exigir ao Estado o pagamento integral de todas as dívidas. O timing
não poderia ter sido pior... e do mais abjecto sentido de oportunidade.
Falamos de agentes de um sector que exigem aos seus utentes, no contexto
pandémico actual, centenas de euros pelos recursos utilizados, muito
além do seu valor de mercado, os mesmos que cobraram ao Estado €100 por
cada teste de COVID realizado, os mesmos que não pensaram duas vezes, em
descartar profissionais e utentes, quando a situação apertou, de que o
encerramento do Hospital do Serviço de Assistência Médico-Social (SAMS) e
principais clínicas de atendimento em Lisboa e no Porto, ou o
despedimento dos enfermeiros prestadores de serviço nas clínicas CUF são
apenas exemplificativos. O lucro continua a ser, mesmo em cenário de
pandemia mundial, a prioridade de muitos grupos económicos que detêm os
laboratórios e estabelecimentos privados de saúde.
Até hoje, muitos no sector privado têm lucrado grandemente com o
COVID-19. São milhões os euros que todos os dias entram nos cofres dos
grandes grupos económicos responsáveis pela sua gestão.
Quando não
reunidos os critérios epidemiológicos definidos, ou não entendidos
assim, o doente do foro respiratório que, até hoje, se dirigiu à unidade
hospitalar, seja directamente ou por reencaminhamento do médico de
família ou referenciação da Linha SNS 24, mesmo com diagnóstico de
pneumonia tratável em casa, não era submetido ao despiste do novo
coronavírus. Não obstante, o médico de família poderia considerar tal
necessário e, nessa medida, prescrever o mesmo, cabendo ao utente
dirigir-se a um laboratório privado e pagar, a expensas suas, o teste,
que pode custar entre €100 e €200.
No sector privado de saúde somam-se os exemplos de atropelo dos mais
elementares direitos das pessoas, sejam utentes, sejam trabalhadoras ou
trabalhadores, independentemente do seu vínculo laboral. A título de
exemplo, a clínica CUF Almada decidiu fechar as portas do seu
Atendimento Médico Permanente Não Programado (Adulto e Pediátrico) e
concentrar esta tipologia de assistência noutras unidades hospitalares
CUF no distrito de Lisboa. Na sequência, enfermeiros prestadores de
serviço, até então determinantes para o seu funcionamento, foram
dispensados. Carga descartável, pois então. De um dia para o outro,
estes profissionais viram a sua actividade suspensa, com uma leve
pancada nas costas metafórica, aquando a promessa de que “quando isto
passar, voltaremos a chamar”. Num momento de enorme fragilidade de saúde
e social, este é o agradecimento do Grupo José de Mello Saúde às
enfermeiras e enfermeiros prestadores de serviços que diariamente, 24h
sobre 24h, asseguraram a actividade assistencial em situação de urgência
naquela clínica.
Por seu turno, o Conselho de Administração do Hospital dos SAMS
decidiu, unilateralmente, fechar as portas, despedindo os seus
funcionários e abandonando os seus doentes, transferindo para o SNS a
resolução e recepção de todos os seus utentes, independentemente de
estarem em regime de ambulatório ou internamento, e deixando todos os
seus funcionários numa posição de enorme fragilidade laboral.
A protecção dos doentes e profissionais de saúde deve ser o agente
motor das decisões políticas. É nessa medida que, ao invés de se
proceder à instalação de hospitais de campanha, estruturas frágeis por
natureza e que não garantem as mesmas condições de acolhimento e
trabalho, a requisição dos hospitais privados parece ser elementar. Esta
não seria, aliás, medida inédita no quadro europeu. A Irlanda já
avançou nesse sentido. Do que estamos à espera?
António Costa recusou ontem o recurso à requisição civil das
estruturas privadas de saúde, não descartando, porém, a tal recorrer no
futuro. A resposta de muitos no sector privado foi clara e torna ainda
mais urgente a sua assumpção, ante a chantagem hoje vociferada na carta
da APHP.
“A requisição civil compreende o conjunto de medidas determinadas
pelo Governo necessárias para, em circunstâncias particularmente graves,
se assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de
interesse público ou de sectores vitais da economia nacional (número 1
do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 637/74, de 20 de Novembro)”. A
requisição civil dos hospitais privados é, hoje, exigência mínima para o
garante da igualdade, justiça e proporcionalidade, quiçá, da
sobrevivência da população.
* Enfermeira na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais do Hospital de Santa Maria
IN "ESQUERDA"
27/03/20
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