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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
21/01/20
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Verdade Envenenada:
o teflon no sangue de toda a gente
Teflon. Bom para garantir que os alimentos não ficam colados às
frigideiras e tachos quentes. Igualmente usado em alguma roupa
simultaneamente quente e impermeável (tipo "gore-tex"). Faz parte da
composição de alguns detergentes. E de repelente de insetos. E está em
muitos plásticos e tantas outras coisas que o tornou presente no sangue
de praticamente todos os norte-americanos e de centenas de milhões de
pessoas por todo o mundo.
Esta é a história do PFOA-C8 - ácido
perfluorooctanóico, inventado em 1945 nos Estados Unidos e cuja ingestão
acumulada ao longo da vida está por determinar. Tornou-se notícia
porque a primeira batalha jurídica contra o "teflon" foi finalmente
vencida em 2016 por um advogado norte-americano, Robert Billot.
A
sua saga gerou um documentário no Netflix , "The Devil We know: como a
DuPont envenenou o mundo inteiro com o teflon" (infelizmente já não
disponível). Recentemente o filme "Dark Waters - Verdade Envenenada",
esteve durante o mês de janeiro nas salas portuguesas (ainda permanece
no Porto e Guimarães), protagonizado por Mark Ruffalo e Anne Hathaway. O
caso "teflon" foi ainda narrado pelo acutilante "The Intercept", e
depois pelo "The New York Times".
Inicialmente criado como
isolante dos tanques militares, o "teflon" veio parar ao uso doméstico
nos anos 60, apesar dos testes laboratoriais das empresas químicas
começarem a demonstrar que o PFOA-C8 causava tumores testiculares,
pancreáticos e hepáticos em ratos de laboratório.
Em consequência
dos riscos para os seres humanos, a 3M desistiu da sua produção no ano
2000 quando finalmente a Agência de Proteção do Ambiente norte-americano
(EPA) exigiu às empresas uma avaliação mais rigorosa dos efeitos do
químico.
Mas, ao contrário da 3M, a DuPont passou a assegurar
vendas estimadas em mais de mil milhões de dólares por ano com este
produto, apesar de na sua linha de produção de teflon vários
funcionários terem problemas de saúde graves, incluindo grávidas.
O escândalo teflon só se tornou visível depois das queixas de um
produtor de gado - vizinho da DuPont, em Parkersburg, Virgínia
Ocidental, - ver morrer 200 vacas ao ingerirem água do rio contaminada
pela fábrica química. Em simultâneo, tanto o agricultor como a sua
mulher contraíram cancros (ele já faleceu).
Depois de décadas a
tentar ignorar o caso, a DuPont é confrontada pelo advogado Robert
Billot (ele próprio membro de uma sociedade de advogados que trabalhava
para as maiores químicas do mundo) que acaba por aceitar a defesa do
agricultor envenenado e falido.
Aqui chegados: esta história é absolutamente desoladora e, ao mesmo tempo, essencial para percebermos em que mundo vivemos.
Em
primeiro lugar o caso "teflon" mostra que só são proibidos no mundo
inteiro os químicos que, comprovadamente, matam pessoas ou provocam
danos graves na sua saúde. Até esta prova estar irrefutavelmente
confirmada, estamos no território da absoluta "inovação" e onde os
organismos de controlo - sejam as Agências de Proteção do Ambiente ou
outros - se limitam a deixar entrar no mercado as inovações que, até
prova em contrário, não tragam danos para a saúde humana. Só que essa
prova surge apenas por via das vítimas - e muitas vezes já é tarde
demais.
Este caso demonstra igualmente como o tempo joga a favor
de quem polui ou provoca danos irreversíveis. Os mil milhões de
faturação anual da DuPont com o "teflon" são astronomicamente superiores
à indemnização que a empresa química acabou por pagar (670 milhões de
dólares) aos 3500 casos de contaminação sanguínea verificados em
Parkersburg.
Em
segundo lugar, a DuPont só foi condenada porque o advogado Robert
Billot conseguiu provar que a substância era danosa para os seres
humanos em virtude dos estudos que a própria DuPont tinha efetuado nos
anos 60 - e a que ele teve acesso por ordem judicial. Ou seja, não havia
qualquer estudo público exceto o da DuPont. Aliás, se o estudo do
teflon dependesse desse financiamento público, não teria havido qualquer
caso porque os organismos públicos norte-americanos não os fazem em
grande escala. Não havia sequer dados para provar a má-fé da empresa.
Mais: casos como estes levam as grandes empresas sem responsabilidade
social a não estudarem nada. Se não houver conhecimento, não pode haver
má-fé. E sobretudo não haverá fugas de informação que as incrimine.
Foi
pela pressão junto da opinião pública que a DuPont aceitou inicialmente
pagar 70 milhões de dólares para compensar os habitantes de Parkersburg
do envenenamento das águas e do ambiente da cidade.
Só que o
advogado Robert Billot usou-os de uma forma inteligente: dividiu a
indemnização entre todos os habitantes de Parkersburg e, em
contrapartida, convidou-os a fazer análises ao sangue no momento de
receberem a indemnização individual de 400 dólares. Apareceram 70 mil
pessoas, crianças incluídas.
E agora repare-se: a DuPont aceitou,
durante as negociações fora de tribunal, respeitar as conclusões das
análises ao sangue dos habitantes e atuar em conformidade com os
resultados.
Quanto tempo demoraram os resultados das análises a surgir? Sete anos.
Ao
fim desta colossal espera, já o advogado estava quase falido, com a
saúde desfeita e sem o respeito dos habitantes de Parkersburg. Mas os
resultados eram claros: 3500 casos de contaminação em Parkersburg com
PFOA-C8.
Quando finalmente chegou a hora de respeitar o acordo de
mediação, a multinacional química voltou atrás e recusou negociar as
indemnizações. Robert Billot teria de processar a DuPont por cada um dos
3500 casos, participar em milhares de audiências, e depois em milhares
de julgamentos. Uma tarefa pura e simplesmente impossível de realizar em
tempo útil para a vida destes lesados da DuPont.
Felizmente há
histórias que acabam, digamos, razoavelmente. Robert Billot não
desistiu. Começou por ganhar o primeiro julgamento, e depois o segundo, e
a seguir o terceiro. Finalmente a DuPont percebeu que ia destruir ainda
mais a sua limitada reputação e resolveu pagar 670 milhões de uma só
vez a todas as vítimas. Mesmo assim pouco mais de metade do valor que
faturava num só ano em teflon. E assim o caso se arrastou até 2016.
Repare-se:
quase 60 anos após o conhecimento das consequências da produção e uso
do PFOA-CB (teflon), finalmente a multinacional química perdeu em
tribunal devido ao estoicismo de um advogado. Sem isso, esta história
continuaria sem ser do conhecimento público.
Entretanto, a (nova)
DowDuPont tentou alterar o PFOA-C8 pelo Gen-X mas não há certezas sobre
se algo mudou do ponto de vista toxicológico. A produção, essa,
mantém-se à escala global.
Outro
dado importante: o PFOA-C8 ainda não entrou na lista dos "poluentes
orgânicos persistentes" (conhecidos como os químicos eternos) da
Convenção de Estocolmo, criada pelas Nações Unidas. O "teflon" tem sido
encontrado em coisas tão diversas como resíduos industriais, carpetes
resistentes a manchas ou líquidos de limpeza de carpetes, muitos tipo
sde plásticos, têxteis especiais e obviamente em tachos, panelas e
frigideiras. Os estudos assinalam o potencial de gerar cancro renal e
testicular, problemas na tiroide e malformações nos fetos.
Em
Peterburgspark, cidade onde o principal foco de contaminação surgiu, os
habitantes desprezaram durante muito tempo Robert Billot e os cidadãos
que o ajudavam, porque isso afetava a joia da cidade, a fábrica da
DuPont, uma das melhores empresas onde se podia trabalhar.
Aina
hoje continuamos a estrelar ovos, e tudo o resto, nas frigideiras e
panelas com teflon. E haverá milhares de outros químicos que, em
conjunto, geram uma bioacumulação no corpo humano que estarão na origem
de muitos cancros de que desconhecemos a origem.
Duas perguntas: quem regula realmente a indústria química? Onde nos leva tudo isto?
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
21/01/20
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