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* DIRECTORA
IN "VISÃO"
02/01/20
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Mais do que boa vontade
na Saúde
É hora de meter dinheiro, estratégia e boa gestão onde sempre existiu boa vontade
Há uma curiosa tradição de o primeiro-ministro e de o Presidente da
República falarem de assuntos sérios ao País enquanto a nação avia
presentes, rabanadas e sonhos. Este ano, António Costa escolheu o setor
da Saúde para a mensagem de Natal, mais ou menos como quem escolhe
sentar do lado direito, na mesa da consoada, o filho com quem pouco se
falou o ano inteiro. O primeiro-ministro sabe que os portugueses estão
descontentes com o estado do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que este é
um dos maiores busílis da sua governação e que tem responsabilidade
perante o estado a que as coisas chegaram.
Vamos falar claramente – face à indiscutível necessidade de
reequilíbrio financeiro e contenção orçamental, a Saúde, tal como outros
serviços públicos, não foi prioridade do governo de António Costa e
Mário Centeno. Tratava-se de fazer opções, e as do governo foram outras.
Costa dirá que a despesa pública com a Saúde aumentou durante o seu
tempo, o que é um facto, mas os números bem esmiuçados mostram uma
realidade distinta. Face à riqueza que o País produziu, existiram menos
recursos na Saúde – esse aumento da despesa que é amplamente propalado
para calar os descontentes foi apenas em termos nominais. Quando se olha
para este valor em percentagem do PIB, esteve sempre a cair: em 2017,
por exemplo, nos 6% estávamos abaixo do que se gastava em Saúde em 2012,
no auge da crise (6,5%). E, se somarmos o SNS e privados, estamos em
valores mínimos desde 2003. Os dados da execução orçamental mostram a
mesma realidade, da qual tanto as equipas médicas como os portugueses se
queixam: um desinvestimento.
Como político experimentado que é, em vez de continuar a fingir que
nada se passa, António Costa decidiu finalmente trazer o tema à ordem do
dia e fazer dele um assunto prioritário para o PS. Uma espécie de nova
“paixão”. Logo após as eleições, Ana Catarina Mendes já tinha assumido,
numa entrevista à VISÃO, que os hospitais públicos têm falhas e que a
Saúde teria de ser uma prioridade nos próximos quatros anos. Estava
aberto o caminho de uma mudança de prioridades para agradar tanto à
direita como à esquerda (sobretudo ao Bloco, que apresentou exigências
concretas), agora estrategicamente reforçada em antecipação da discussão
na generalidade do Orçamento do Estado.
Como sublinhou o primeiro-ministro, o documento apresentado na
Assembleia contempla “o maior reforço de sempre no orçamento inicial da
Saúde e confere maior autonomia aos hospitais para garantir uma maior
eficiência e responsabilidade na gestão do seu dia a dia”. Com efeito, o
Governo aprovou um aumento de 800 milhões de euros para aumentar a
capacidade de resposta do SNS, mas também abriu as portas à contratação
de mais 8 400 profissionais de saúde em 2020 e 2021. Foi ainda aprovado
um reforço orçamental de 550 milhões de euros para reduzir as dívidas em
atraso. Em boa hora o fez. Ainda no início de 2019, o Tribunal de
Contas veio dizer que a situação económico-financeira do SNS era
“extraordinariamente débil” e que a dívida do SNS a fornecedores e a
outros credores aumentou 51% entre 2014 e 2017.
Na sua mensagem, o primeiro-ministro mencionou apenas de passagem o
que para mim é, na verdade, o essencial: o “reconhecimento a todos os
profissionais que diariamente dão o seu melhor para nos assegurar um
serviço de saúde”. Foram eles – médicos, enfermeiros, auxiliares e
outras equipas médicas –, com o seu empenho e dedicação, que durante
este tempo seguraram muitas das pontas soltas. Que taparam alguns dos
buracos com remendos de carolice, abnegação e amor ao próximo. Que
zelaram, apesar das dificuldades evidentes e da suborçamentação, para
que os portugueses não sentissem tanto na pele e no seu bem-estar as
consequências de uma opção política.
E que ajudaram a que se chegasse ao
40º aniversário do SNS com a dignidade que esta enorme conquista
portuguesa de humanidade e de justiça social merece. Bem hajam,
sinceramente, por isso. É hora de meter dinheiro, e já agora reformas,
estratégia e boa gestão, onde sempre existiu boa vontade.
* DIRECTORA
IN "VISÃO"
02/01/20
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