.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
06/12/19
.
Bolsonaro não é um eucalipto
Há quem culpe o presidente da República Jair Bolsonaro pela irrelevância política de Sergio Moro.
A
teoria é que, como os eucaliptos, o presidente da República, pela sua
personalidade extravagante, secaria o solo em redor e impediria os
outros, entre os quais o seu ministro da justiça, de brilharem, de
florescerem.
Mas não colhe: Moro não brilha nem floresce porque
talvez seja, de facto, um político irrelevante, que não se importa de
ver a sua ação reduzida ao papel de mero advogado do clã Bolsonaro de
forma a um dia, como prémio, ser nomeado juiz do Supremo Tribunal
Federal.
Até porque Bolsonaro não é, de todo, um eucalipto que
seca o solo em redor. Pelo contrário: nos seus 11 meses de "gestão" tem
conseguido, como ninguém, transformar catos em rosas.
Um exemplo:
Rodrigo Maia. O presidente da Câmara dos Deputados era visto antes da
ascensão do bolsonarismo como mais um parlamentar citado na Lava Jato
monótono e entediante. E até algo juvenil por ser filho de um político e
por causa da aparência de aluno gorducho e amuado.
Com Bolsonaro
ao lado, Maia revelou-se o primeiro-ministro, de facto. Foi ele quem fez
o Congresso aprovar a reforma da previdência - dada a incapacidade do
presidente e do seu governo de a levar por diante - e, mesmo mantendo a
tal aparência juvenil, tem sido uma voz adulta no meio das maluquices do
Planalto.
O anti-eucalipto Bolsonaro tornou-o presidenciável em 2022.
Outro
exemplo? João Doria. Oportunista, o governador do estado de São Paulo
apelou ao voto "BolsoDoria" - Bolsonaro para presidente e ele para
governador - nas últimas eleições, gritando "morte aos bandidos" e
outros dislates perigosos em coro com o bolsonarismo.
No entanto,
ao aperceber-se das excentricidades do presidente, aproveitou para se ir
afastando, como quando criticou o ataque presidencial à memória de uma
vítima da ditadura, mostrando que, sendo um político assumido de
direita, está dentro do perímetro da normalidade.
O anti-eucalipto Bolsonaro catapultou-o a principal aposta do mercado financeiro nas eleições.
Mais um exemplo? Michel Temer. Os detratores do ex-presidente que o atormentaram por dois anos com o slogan "fora Temer" corrigiram para "fica Temer", logo após a eleição de Bolsonaro.
E, na verdade, apesar de ter chegado ao Planalto sem a legitimidade
do voto e de ser o representante do que de mais bolorento Brasília
produziu, Temer jamais partilhou vídeos de práticas sexuais, demitiu
ministros com base em pressões da prole, promoveu boicotes a jornais ou
atacou a primeira-dama de outros países, por exemplo.
O anti-eucalipto Bolsonaro fê-lo ficar na história como um presidente, pelo menos, com sentido de estado.
Ainda
mais um exemplo? Lula da Silva. Preso por corrupção - justa ou
injustamente não vem ao caso - depois de desgastantes 13 anos do seu
partido no poder, o antigo presidente poderia ser visto hoje aos olhos
do mundo como um abusador da confiança do povo.
Mas ao convidar o
seu julgador, Moro, para o governo, o presidente despertou esse mundo
definitivamente para a narrativa da conspiração.
E ao preferir
taxar desempregados a milionários, ao deixar o dólar subir ao triplo do
preço da Era Lula e a carne de vaca ao valor de joia rara, dá munições
diárias ao rival.
O anti-eucalipto Bolsonaro serviu de trampolim para que o político mais popular do país voltasse como aura de salvador.
Último exemplo? Alexandre Frota. Sendo ex-ator porno, ex-toxicodependente e ex-participante profissional de reality shows, o atual deputado tinha o currículo justo para ser um bolsonarista convicto. E foi.
Mas,
a dada altura, até ele achou pornográfica demais a intromissão dos
filhos 01, 02 e 03 no governo e excessivamente viciadas as relações
dentro de um grupo parlamentar que mais parecia uma deprimente reunião
de sub-celebridades.
Saiu (para o partido de Doria) e passou a denunciar a fábrica de fake news
que alimenta o bolsonarismo, o escândalo de corrupção em redor do
primogénito do presidente e a falência da cultura e da educação sob o
atual regime.
De tão anti-eucalipto, Bolsonaro conseguiu até o prodígio de fazer Frota interpretar o papel de homem sensato.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
06/12/19
.
Sem comentários:
Enviar um comentário