02/12/2019

CLÁUDIA ROCHA E SILVA

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Ostomia, corpo e intimidade

A intimidade, o toque e o contacto sexual são das dimensões mais afectadas por uma ostomia. No entanto, raramente são colocadas aos profissionais questões relacionadas com o medo de um corpo não desejado, o receio do toque, da alteração da sensibilidade, da presença de dor ou de qualquer disfunção sexual manifestada.

A ostomia é uma intervenção cirúrgica que permite criar uma abertura artificial no corpo (estoma), com várias finalidades que vão desde a alimentação e a respiração, à eliminação de fezes, gases ou urina. Está associada a processos cirúrgicos por trauma ou doenças oncológicas para o tratamento do cancro da laringe, do cólon e recto, da bexiga, ou do colo do útero, sendo as mais comuns as traqueostomias, as colostomias, as ileostomias ou as urostomias.


Independentemente do tipo ou função da ostomia, esta confere uma mudança no corpo, uma alteração da forma como este se apresenta e é reconhecido ao espelho e como é percepcionado aos olhos do outro.

Gerir uma ostomia implica lidar obrigatoriamente com dispositivos médicos, garante do seu correcto funcionamento, da sua permeabilidade, da protecção da pele e dos tecidos vizinhos, bem como do conforto e da higiene local. Mas implica também desenvolver estratégias de controlo e de ocultação que permita um estar familiar, laboral, social e sexual com o mínimo de insegurança e de constrangimentos.

Lidar com a alteração da imagem corporal, a insegurança e a presença constante da ostomia é um desafio imposto a qualquer pessoa portadora da mesma, sendo de considerar que, frequentemente, tem um carácter definitivo e, quando realizada em fases precoces da vida, determina a necessidade de redefinir objectivos de vida a curto, médio e longo prazo.

A intimidade, o toque e o contacto sexual são das dimensões mais afectadas. No entanto, raramente são colocadas aos profissionais, de uma forma explícita ou directa, questões relacionadas com o medo de um corpo não desejado, o receio do toque, da alteração da sensibilidade, da presença de dor ou de qualquer disfunção sexual manifestada.

Actualmente, nos centros hospitalares de referência, existem consultas especializadas com enfermeiros de estomaterapia, que acompanham a pessoa durante todo o período tratamento, facilitando o processo de reabilitação e de adaptação à ostomia através do aconselhamento e promoção de estratégias de autocuidado e de reforço de confiança.

Compete à equipa de saúde que acompanha a pessoa com ostomia e, em especial, ao enfermeiro de estomaterapia trazer à luz do dia as inseguranças individuais, os sentimentos de desalento ou de baixa de auto-estima, incentivando a pessoa e o parceiro a expor e a partilhar as suas dificuldades, orientando-os na forma de explorar o corpo e desenvolver a capacidade de ser e estar consigo e com o outro.

Estratégias como manter os hábitos de intimidade, carinho e cumplicidade existentes antes da cirurgia são utilizadas para reforçar a confiança e potenciar uma saúde sexual para além da ostomia: substituir sempre que possível o dispositivo antes do contacto intimo e ocultá-lo, de forma a sentir-se mais confortável e confiante; controlar, se possível, o funcionamento da ostomia através de técnicas de treino intestinal ou de acessórios que atenuem o funcionamento da mesma; preparar e adaptar o espaço de forma a retirar o foco da ostomia, estimulando sensorialmente outras áreas do corpo.

A multiprofissionalidade das equipas de saúde, através de um cuidar atento nas diferentes dimensões da pessoa com ostomia, tem contribuído cada vez mais para a promoção da qualidade de vida da pessoa, sendo de valorizar a importância da abordagem da sexualidade por parte da mesma, dos parceiros e dos profissionais para a detecção precoce de limitações ou constrangimentos.

* Enfermeira e membro da Associação Portuguesa de Enfermeiros de Cuidados em Estomaterapia (APECE)

IN "PÚBLICO"
28/11/19

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