24/12/2019

CATARINA MARCELINO

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Será André Ventura uma ameaça
 à liberdade e à democracia?

A estratégia do Chega e de André Ventura assenta num “exército” de correligionários que alimentam as redes sociais, criando a imagem do herói corajoso, potenciando as fake-news e as mensagens populistas e anti-sistema do deputado

Passados 74 anos do fim da Segunda Guerra Mundial vemos ressurgir, no sistema político dos países europeus, partidos de extrema-direita representados nos parlamentos nacionais, partidos anti-sistema, que põem em causa as instituições democráticas, utilizando o populismo alicerçado na divulgação de ideias básicas, muitas vezes falsas ou descontextualizadas, disseminadas de forma organizada, sobretudo através das redes sociais.

Estes partidos baseiam-se num discurso de índole nacionalista, anti-imigração, anti-diversidade e anti-escolha. A União Cívica de Órban na Hungria, a Liga Norte de Salvini em Itália, a União Nacional de Marine Le Pen em França, o Vox de Santiago Abascal em Espanha, são exemplos, da normalização institucional de uma ideologia de extrema-direita, disseminada através de uma estratégia comunicacional assente nas redes sociais, de transmissão de uma mensagem simplista, muitas vezes deturpada e enganadora, que tem como objetivo fomentar o medo e a insegurança. Portugal viveu fora desta realidade até às eleições legislativas deste ano e à entrada do Chega de André Ventura no Parlamento Português, partido irmão da extrema-direita europeia.

Hoje temos uma representação do Deputado Único, que era até há pouco tempo militante de um Partido moderado e cuja radicalização se iniciou com a candidatura à Câmara de Loures, que tem uma estratégia de afirmação através de uma postura de descredibilização das Instituições incluindo a própria Assembleia da República. As intervenções do Deputado baseiam-se na critica básica a tudo e a todos, usando recorrentemente palavras como vergonha e escândalo, mostrando papeis que supostamente provam coisas, criando casos e arruaças. Quando há alguma posição de oposição a esta forma de intervenção, vem a vitimização levada ao extremo, sempre com a acusação de estarem a limitá-lo na liberdade de expressão. Juntam-se às intervenções os votos de pesar, de louvor, de indignação, que são posteriormente usados nas redes sociais de forma desonesta, utilizando os títulos sem divulgar o conteúdo, para provocar indignação sobre os partidos que votam contra, sem nunca explicar o que dizem concretamente e que levaram a esse sentido de voto.

Esta estratégia do Chega e de André Ventura assenta num “exército” de correligionários que alimentam as redes sociais, criando a imagem do herói corajoso, potenciando as fake-news e as mensagens populistas e anti-sistema do deputado. Entre os correligionários estão ideólogos de extrema-direita, ultra-conservadores e ultra-liberais, como é o caso de Diogo Pacheco de Amorim.

Mas também ativistas radicais dos movimentos anti-escolha e de movimentos racistas e xenófobos. O que André Ventura não faz é apresentar no Parlamento as propostas para o país que estão no seu programa eleitoral, porque Ventura sabe que muitas das pessoas que estão a ser aliciadas pelas suas mensagens deixariam de o apoiar se conhecessem a sua linha programática para o país – privatização total da saúde, da educação e dos transportes, fim do Estado Social, só para dar alguns exemplos.

Esta estratégia utilizada por estes partidos de extrema-direita é assente numa lógica de populismo e propaganda que, através de ideias simplistas e estereotipadas, potenciadas por um forte modelo propagandista, são utilizadas para fomentar a desinformação e o ódio, criando uma conjuntura de medo e de desconfiança perante os outros e perante a diversidade. Não concordo com a tese de que não reagirmos a Ventura seja o melhor para não lhe dar força, parece-me que devemos combatê-lo com a verdade, combatê-lo obrigando-o a vir à liça com as suas propostas, combatê-lo não tendo medo dos seus correligionários que atacam com ódio e mal decência nas redes sociais. Só há uma maneira de proteger o futuro da liberdade e da democracia. Não dar tréguas e não transigir perante a demagogia e a radicalização dos Venturas.

IN "VISÃO"
19/12/19

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