.
* Politóloga, ISCTE-IUL
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
25/11/19
.
De repente somos todos
populistas?
Ser
democrata coloca desafios como ter de garantir que os direitos de quem o
não é são respeitados. Mas isso não quer dizer que se pactue com essas
lógicas, há que as denunciar.
Que
os “novos” populismos parecem abraçar a Europa (e o mundo) não é
novidade. Que muitos de nós resolveram ajudar a institucionalizar alguns
destes movimentos, ou seja, votaram neles e com isto garantiram aos
seus representantes mandatos políticos, também não é novidade. Agora,
acreditar que a maior parte de nós se tornou populista já é outra
história.
Pessoalmente, não acredito. O estudo científico deste
fenómeno mostra que o mesmo não é nem simples nem pode ser simplificado.
Além disso, quem no dia-a-dia nos traz essa informação para casa, quer
jornalistas, quer analistas políticos, não pode nem deve, acredito eu,
fazê-lo de forma leviana.
Com todas as cenas que tiveram lugar à
entrada do nosso Parlamento e que assistimos recentemente, não
esclarecer a misturada do que para ali vai é um grande erro. Até porque
houve alguns esclarecimentos das associações sindicais, que evidenciaram
uma posição contra a partidarização da manifestação das forças de
segurança. Na verdade, vários partidos manifestaram solidariedade para
com essa causa.
Então, porque é que se “dá” o palanque a um membro
de um partido? Acredito que foi um erro e não um alinhamento geral. Se
assim não for, se não acreditar nisso, não poderei andar muito confiante
pelas ruas do nosso país. Mas esta minha convicção não é uma negação
optimista e favorável aos partidos não populistas. É uma convicção
baseada nos números das últimas eleições.
Claro que me podem falar
dos resultados das mais recentes sondagens, etc., mas para um Estado de
Direito onde a representação democrática vigora, o que conta não são as
intenções de voto, mas os votos nas urnas em eleições legais, justas e,
portanto, democráticas.
Em todo o caso, não quero perder muito
tempo com estes exemplos, embora os considere necessários já que é a
partir deles que muita gente resolve generalizar e, com isso, verdade
seja dita, arrastar alguns de nós a acreditar que esta é a “onda”.
Aliás, esta ideia ganhou avanço há algumas décadas, e os resultados não
foram nada positivos.
Quero frisar de novo que aquilo que me
interessa é mesmo referir que, em particular com a crise económica de
2008, muitos países (muitos deles na Europa) assistiram ao aparecimento
de novos partidos, muitos dos quais são essencialmente motivados pela
conjuntura económica que se vivia na altura.
Desde então,
produziu-se abundante literatura académica que compara esta ligação, ou
seja, a crise económica e o surgimento de novos partidos mais
extremistas. Mas ainda temos muitas dúvidas da direcção causal que se
nos apresenta. Parece existir uma clara ligação entre o que é um agravar
das condições de vida de uma população, o agudizar de posições
diferenciadas entre grupos, quase num clima de sobrevivência e luta por
recursos, onde existe o “nós” e o “eles”, e a propagação de ideias
populistas, muitas vezes já existentes em partes da população.
Esta
predisposição parece ser essencial quando as situações se tornam
adversas. E é talvez por isso que, a bem da Democracia, tenhamos de
continuar a esclarecer o que certas políticas imaginadas querem dizer em
termos de consequências. Essa confrontação entre as ilusões e as
verdades prospectivas, espero eu, irá demover alguns dos seduzidos por
lógicas no mínimo falaciosas. Mas não nos devemos esquecer deles, dos
que não se deixarem demover.
Ser democrata coloca desafios como
estes, i.e., termos de garantir que os direitos de quem o não é são
respeitados. Mas isso não quer dizer que se pactue com essas lógicas, há
que as denunciar. Para tristeza de alguns, e regozijo de outros tantos
(muitos mais, sei que sim), ainda não somos todos populistas, e estamos
aqui.
* Politóloga, ISCTE-IUL
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
25/11/19
.
Sem comentários:
Enviar um comentário