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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
31/08/19
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Diplomacia de terra queimada
A vertigem de declarações políticas insensatas em torno da Amazónia
revela a fragilidade do sistema internacional. Sobre a conduta errática e
irracional de Bolsonaro e dos seus adjuntos em Brasília já tudo foi
dito. Contudo, o G7, dominado pelo habitual e nem sempre esclarecido
ativismo de Macron, também deixou muito a desejar. Não só pelo que foi
dito, mas pelo que foi sugerido. O mundo está demasiado perigoso para nos darmos ao luxo da falta de rigor diplomático. A questão principal parece-me ser esta: dado
o interesse extraordinário da Amazónia para o equilíbrio do ambiente e
do clima planetários, faria algum sentido criar um estatuto especial de
tutela internacional sobre a Amazónia? A resposta parece-me ser
totalmente negativa. A ideia de territórios que são "património
comum da humanidade" encontra-se sugerida no Tratado da Antártida
(1959), que até 2041 permite aos países signatários a presença pacífica,
sobretudo para fins científicos, nesse território ainda sem soberanias
nacionais. Já a categoria de "fundos marinhos", da Convenção das Nações
Unidas para o Direito do Mar (1982) é identificada ostensivamente como
"património comum da humanidade".
A Amazónia não corresponde a
esse perfil. É um território legítimo dos países que partilham a bacia
do grande Amazonas, e em particular do Brasil. No século XVIII,
sobretudo com a ação diplomática e militar do marquês de Pombal, o
assunto das fronteiras ficou delineado mesmo antes da independência. Só por um inqualificável ato de agressão bélica poderia o Brasil ser privado da sua soberania sobre a designada Amazónia Legal. O problema de que ninguém falou é outro: a
radical insuficiência do nosso direito internacional público,
organizado em soberanias verticais, para traduzir e proteger a dinâmica
biofísica transversal e horizontal dos ecossistemas de que dependemos.
As instituições e o direito da atual geografia política - nascidos numa
idade de ciência e tecnologia primitivas - são analfabetos perante as
tarefas necessárias para sustentar os fluxos globais de energia e
matéria do Sistema-Terra, face à crescente pegada
ecológica exercida pela humanidade.
A indispensável criação de uma
Convenção das Nações Unidas conferindo valor jurídico ao Sistema-Terra,
além de superar o espartilhado e estagnado modelo dos regimes
internacionais de ambiente em vigor, não iria abolir as soberanias
nacionais, mas antes alargaria a sua esfera de ação e responsabilidade.
Iria permitir, pela positiva, que o Brasil em vez de receber esmolas
tivesse acesso, de modo contratualizado, a fundos internacionais para
premiar o contributo positivo global para o clima, a biodiversidade ou o
ciclo da água de uma Amazónia protegida, Essa convenção iria,
inversamente, denunciar países que, como os EUA, se desobrigam da
proteção da atmosfera e do clima, ou que, como a França, enxamearam o
seu território com centrais nucleares que, por serem um risco para a
segurança coletiva, acabarão por ser desmanteladas à custa de todos os
contribuintes europeus.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
31/08/19
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