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IN "PÚBLICO"
10/09/19
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De que tem medo
a Ordem dos Médicos?
Que mal virá para os doentes do nosso país se, aos mais de mil médicos formados pelo Estado, com o subsídio oriundo dos nossos impostos, se juntar mais uma centena, que não pagamos, que ou virão do estrangeiro para estudar em Portugal?
O título deste texto seria mais correcto se fosse dirigido a alguns
dirigentes actuais da OM e não à instituição, que muito respeito como
profissional, e com a qual colaborei ao longo da minha vida, ficando com
laços de amizade e respeito por muitos dos que aceitaram a tarefa
difícil de dirigir os interesses da profissão. Se quisesse enumerar
alguns pararia, naturalmente, em Miller Guerra, responsável pelo
Relatório das Carreiras Médicas, que tanto valor trouxe à nossa
profissão, e com quem tive o maior gosto em privar durante anos,
discutindo por vezes as dificuldades que as instituições tinham em se
auto reformar.
Na boa colaboração com a OM fui Presidente do Colégio da minha Especialidade, fui também Professor Catedrático da Faculdade de Medicina de
Lisboa. Na Faculdade de Medicina colaborei activamente com o saudoso
Professor Pinto Correia na tentativa infrutífera de modernização da
Faculdade. Tive ainda o privilégio de ter sido eleito, um ano, pelos
alunos, o melhor professor do curso. Compreendendo a mensagem de Miller
Guerra e percebendo não ser capaz de fazer valer o meu projecto na velha
Universidade aceitei o desafio da Universidade Católica para organizar a
área da saúde e, naturalmente, planear o curso de Medicina.
A primeira iniciativa foi fazer duas edições de um Mestrado em Educação Médica em colaboração com a Harvard Medical School.
Esse Mestrado não teve continuidade pois surgiram novas regras de
avaliação dos cursos e o projecto da Faculdade estava atrasado, mas a
reflexão sobre o tema manteve-se. O projecto que agora se entregou à
Agência de avaliação é o resultado do trabalho de uma equipa empenhada e
competente para o fazer e obedece, rigorosamente, aos requisitos da
Agência no que respeita a todos os capítulos.
Nas últimas semanas, publiquei no PÚBLICO dois textos que estavam
relacionados com o projecto de criação do curso de medicina na
Universidade Católica e que explicavam um pouco as questões do ensino
médico. O texto agora publicado sobre o parecer do Ordem dos Médicos
revela as incorrecções desse parecer que carecem de esclarecimento,
pois importa informar o público das coisas como elas são. A única
verdade do texto é a de que a Ordem dos Médicos não recomendou a
aprovação do curso porque não quis, por razões que não são explícitas.
Do meu ponto de vista, a pertinência de organizar um curso de Medicina na UC está respondida num dos meus textos, quanto à necessidade de modernizar o ensino está também respondido no outro texto.
É necessário que seja sabido que quando a UC iniciou o presente
projecto, foi contactado o então Bastonário da OM que nada teve a opor.
Quando, passado bastante tempo, o processo ficou concluído, a UC
contactou o actual Bastonário que teve a amabilidade de se deslocar à UC
para tomar conhecimento do projecto. Dessa reunião não resultou
qualquer objecção de relevo que justificasse alterar a estratégia da UC.
Sem
ter, no mínimo, a delicadeza de discutir com a UC a posição final da
OM, na sequência da boa relação institucional criada previamente, não só
não nos foi dada informação sobre o teor do parecer que contrariou o
sentido do parecer do relator inicial como tornou público o seu teor
através dos jornais. A OM acha que o tempo que os alunos dedicam para se
confrontar com doentes é reduzido, ora os três últimos anos do curso
são feitos em trabalho clínico, inseridos em equipas hospitalares com
trabalho diário de enfermaria e consulta o que corresponde a muito mais
ECTs.
A OM acha o número de docentes insuficiente, quando o número proposto
corresponde ao que está estipulado nas regras da Agência. Mas fico a
perceber, também através da notícia, que a OM acha que se corre o risco
de haver docentes das universidades públicas que resolvem sair e aderir
ao projecto. Este é sem dúvida um argumento mais do que insólito. Julgo
que vivemos numa sociedade aberta à competição em que cada um encontra o
lugar que mais lhe convém. Sabemos bem que nas universidades públicas o
desenvolvimento de carreiras académicas está dificultado e que uma
proposta, como a actual, em que o desenvolvimento de uma carreira de
excelência é premiado pode ser interessante. Não me parece que seja da
competência da OM a defesa do corpo docente das faculdades de Medicina.
É
também dito que a dimensão das unidades hospitalares que apoiam o curso
não é suficiente, nem que a diversidade de patologia com que os alunos
se vão confrontar seja adequada. Em primeiro lugar, o número de unidades
envolvidas é muito maior do que aquilo que se afirma e, em segundo
lugar, as faculdades de Medicina do Estado colocam os seus alunos nestas
unidades. Terá a OM as estatísticas dos hospitais sobre a diversidade
de patologias para fazer discutir a questão da diversidade de
patologias? A questão está discutidíssima na literatura do ensino
médico; considerar o número de camas como indicador é desconhecer toda
essa literatura.
É curioso o artigo vir ao lado das afirmações do Ministro da Ciência e Ensino Superior
estimulando a vinda de alunos estrangeiros para os cursos de Medicina
em Portugal. Sei que isso é desejo de muitas das faculdades. O país está
cheio de médicos oriundos de países estrangeiros a atender doentes com
óbvias dificuldades de empatia linguística. Tanto quanto sei, não há
nenhum programa de apoio a médicos estrangeiros para aprender português
adaptado ao exercício de uma profissão em que a relação de cuidado é
fundamental. Ora, este cuidado está previsto no processo da UC. Por
outro lado, ensinar Medicina em inglês facilita o abrir das portas à
informação técnico-científica indispensável para o bom exercício
profissional.
Todas estas questões são falsas questões, pois seria absurdo que não
estivessem mais do que consideradas pelos promotores, mas a OM achou
seriam bons argumentos para pôr em causa o processo. A dúvida fica de
facto: de que têm medo os que contrariam este projecto? Que mal virá
para os doentes do nosso país se, aos mais de mil médicos formados pelo
Estado, com o subsídio oriundo dos nossos impostos, se juntar mais uma
centena, que não pagamos, que ou virão do estrangeiro para estudar em
Portugal (como a sr. ministro gostaria) ou deixam de ir ao estrangeiro
para receber a sua formação?
IN "PÚBLICO"
10/09/19
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