09/08/2019

VÍTOR ROSA

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O desporto e o lazer

É lugar comum dizer-se que o evento da industrialização determinou a eclosão do desporto moderno e a sua extensão a um fenómeno quase mundial. A atividade desportiva saiu dos estreitos quadros onde estava confinada, de alguns meios privilegiados e de algumas manifestações populares e tradicionais, mas episódicas. A sua expansão foi criada também pelas condições promovidas pela civilização técnica.

O século XX foi palco de transformações tecnológicas e sociais que alteraram a vida dos homens (no domínio tecnológico: o automóvel, o avião, a comunicação sem fios, os progressos médicos, o nuclear civil e militar; no domínio social: a emancipação das mulheres e dos adolescentes).

Neste processo de alterações, o lazer assume um papel importante. Entrámos numa sociedade de lazeres, com mecanismos particulares. Em França, Joffre Dumazedier, na década de 60, faz notar esta questão. A partir de 1980 o tempo livre tornou-se o tempo de vida mais longo, que ganhou sobre o tempo de trabalho e o tempo requerido a satisfazer as obrigações diversas (sociais, administrativas, higiénicas, familiares, domésticas, etc.). O trabalho não foi destituído socialmente. Ele continua organizador. É a partir do trabalho que se continua a distribuir as temporalidades sociais. O trabalho ritma e determina os modos de vida; dos ativos, bem como dos inativos. É o trabalho que continua a organizar o dia, a semana, o mês e o ano.

Retirando a questão profissional, os praticantes desportivos e não desportivos procuram aproveitar o lazer. Na sua continuidade, o fenómeno desportivo é inteiramente lazer. É isso que lhe dá sentido e lhe confere a sua especificidade. Sem o lazer, sem o surgimento de uma sociedade de lazeres, o fenómeno desportivo não existe. E, se existe, é de outra forma. O tempo livre tornou-se o primeiro tempo de vida nos países desenvolvidos. Uma tendência se afirma: consiste em compensar um trabalho cada vez mais intenso pelas atividades de lazer com uma intensidade correspondente.

Ouve-se dizer que o desporto reclama capacidades físicas. É verdade para o nível de alto rendimento, mas não o é para todas as práticas desportivas. A simples saúde permite amplas possibilidades de praticar desporto. O leque de práticas desportivas é também ele rico para a diversidade de gostos e de aptidões. Mas uma única parece inegável: o desporto tem a incomparável faculdade de preencher o tempo livre.

* Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares de Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa

IN "A BOLA"
04/08/19

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