27/08/2019

RUY CASTRO

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Um demente no poder

Se não o meterem antes numa camisa-de-forças, Bolsonaro vai tirar as calças pela cabeça em público a qualquer momento.

Já não me lembro o motivo, mas o presidente Jair Bolsonaro recomendou noutro dia ao povo brasileiro que só faça cocó - caca - dia sim, dia não. Não me consta que, alguma vez, em toda a história, um governante tenha descido a esses detalhes na condução de seus governados. Teria talvez alguma influência no sistema de águas e esgotos das cidades, na produção de estrume, no bom funcionamento dos intestinos?

Não. Bolsonaro é apenas assim - gosta de usar imagens fecais, anais ou urinárias para dizer o que pensa. No Carnaval passado, em sua página na internet, ele divulgou um vídeo em que mostrava um homem urinando em outro. No domingo passado, um influente jornalista brasileiro chamou-o, no título de sua coluna, de coprófilo - aquele que, segundo os dicionários, "tem atração patológica por fezes ou pelo ato de defecação". Eu próprio já escrevi, há algumas semanas, que ele tem "fezes na cabeça". E Bolsonaro não pode se queixar porque é ele quem provoca essas imagens.

E, afinal, de que adianta ao povo brasileiro seguir sua recomendação de só fazer cocó dia sim, dia não, se o próprio presidente faz todo dia - e em público, sem o menor pudor, diante das câmaras e dos microfones? Estou falando figuradamente, claro. Não é que Bolsonaro abaixe as calças, fique de cócoras e despeje à vista dos outros - pelo menos, até agora não fez isto. Basta-lhe abrir a boca.

Em seus 130 anos de República, o Brasil já teve toda espécie de presidentes e, alguns, tão absurdamente ineptos (Delfim Moreira, 1919-1920; Jânio Quadros, 1961; Dilma Rousseff, 2010-2015), que é um milagre termos chegado até aqui. Mas Jair Bolsonaro está batendo todos os recordes. Em oito meses de mandato, já declarou seu ódio ou desprezo por índios, gays, transexuais, feministas, crianças, professores, estudantes, cientistas, pesquisadores, artistas, jornalistas, pacifistas, imigrantes, deficientes mentais, dependentes químicos, presidiários, desaparecidos políticos, familiares de desaparecidos políticos, ambientalistas, veganos e pessoas oriundas do Nordeste do Brasil. Não é pouco - isso deve representar oitenta por cento da população brasileira.

Ao mesmo tempo, vive manifestando seu apreço e sua admiração por torturadores da ditadura militar, milicianos (policiais corruptos que dominam e extorquem os habitantes das favelas), chacinadores (assassinos profissionais), fabricantes de armas, devastadores do ambiente, garimpeiros ilegais em terras indígenas, disseminadores de agrotóxicos, exploradores do trabalho infantil, criminosos do volante (mandou acabar com os controles de velocidade nas estradas), censores de artes e espetáculos e promotores de rodeios onde animais são maltratados. Sua preferência é sempre pelas piores pessoas do país, em cuja companhia adora ser fotografado. Mas, nesse ponto, é até coerente - porque ele próprio é uma das piores pessoas do país.

Bolsonaro agride diariamente alguma instituição brasileira digna de admiração. Fez isto com o Itamaraty, o nosso ministério dos estrangeiros, cujos diplomatas sempre foram considerados modelos em nível internacional. Fez também com a Fundação Oswaldo Cruz, organização científica na área da pesquisa sobre o mosquito, pioneira no mundo. Demonstrou sua cavalar insensibilidade ao nunca dizer uma palavra de solidariedade ao Museu Nacional, tragicamente incendiado há um ano - um museu que por 150 anos atraiu cientistas do mundo inteiro. Bolsonaro faz tudo para humilhar o Ibama, instituto de proteção ao ambiente, e a Funai, de proteção aos índios. E há pouco comprou briga com os advogados brasileiros ao atacar a também mais do que centenária OAB, Ordem dos Advogados do Brasil.

Para não falar dos países estrangeiros, a quem ofende com olímpico desembaraço, como se o Brasil estivesse sozinho no planeta e não dependesse de ninguém. Outro jornalista fez há dias uma lista dos países que ele já insultou desde que tomou posse: Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Chile, Cuba, França, Irão, Israel, Japão, Paraguai, Noruega e Venezuela. Sobre a Alemanha, que cancelou um fundo de milhões de euros que doava para conter o nosso desmatamento, Bolsonaro disse que ela enfiasse o dinheiro nas suas próprias matas. Sobre o Japão, sugeriu que os japoneses tinham pénis pequenos. Sobre a Argentina, que é a terceira maior parceira comercial do país, afirmou que o Brasil não precisava dela. Vamos ver o que dirá quando esses países atingirem o Brasil no seu ponto mais sensível - o comércio exterior.

Temos um demente no poder, capaz de, a qualquer hora, resolver tirar as calças pela cabeça durante uma cerimónia oficial. Os mais sensatos só esperam que, numa dessas, Bolsonaro faça algo realmente tão absurdo, tão maluco, tão grave, que terão de providenciar uma camisa-de-forças para ele. E, então, você perguntará: "Mas os brasileiros não votaram nele?"

Sim. Mas quais brasileiros? Se você tirar os milhões que só votaram em Bolsonaro porque estavam fartos da corrupção dos quinze anos do partido de Lula no poder, o que lhe sobraria? Apenas os fanáticos de extrema-direita, que votariam nele de qualquer maneira e que, no Brasil, não chegam a vinte por cento da população - menos, talvez, do que nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França. E que, neste momento, já são os únicos que estão obedecendo à sua ordem de fazer cocó dia sim, dia não.

* Jornalista e escritor brasileiro, autor de livros como O Anjo Pornográfico - A Vida de Nelson Rodrigues (Tinta-da-China).

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
24/08/19
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