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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
24/08/19
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Um demente no poder
Se não o meterem antes numa camisa-de-forças, Bolsonaro vai tirar as calças pela cabeça em público a qualquer momento.
Já não me lembro o motivo, mas o presidente Jair Bolsonaro recomendou
noutro dia ao povo brasileiro que só faça cocó - caca - dia sim, dia
não. Não me consta que, alguma vez, em toda a história, um governante
tenha descido a esses detalhes na condução de seus governados. Teria
talvez alguma influência no sistema de águas e esgotos das cidades, na
produção de estrume, no bom funcionamento dos intestinos?
Não.
Bolsonaro é apenas assim - gosta de usar imagens fecais, anais ou
urinárias para dizer o que pensa. No Carnaval passado, em sua página na
internet, ele divulgou um vídeo em que mostrava um homem urinando em
outro. No domingo passado, um influente jornalista brasileiro chamou-o,
no título de sua coluna, de coprófilo - aquele que, segundo os
dicionários, "tem atração patológica por fezes ou pelo ato de
defecação". Eu próprio já escrevi, há algumas semanas, que ele tem
"fezes na cabeça". E Bolsonaro não pode se queixar porque é ele quem
provoca essas imagens.
E, afinal, de que adianta ao povo
brasileiro seguir sua recomendação de só fazer cocó dia sim, dia não, se
o próprio presidente faz todo dia - e em público, sem o menor pudor,
diante das câmaras e dos microfones? Estou falando figuradamente, claro.
Não é que Bolsonaro abaixe as calças, fique de cócoras e despeje à
vista dos outros - pelo menos, até agora não fez isto. Basta-lhe abrir a
boca.
Em seus 130 anos de República, o Brasil já teve toda espécie de
presidentes e, alguns, tão absurdamente ineptos (Delfim Moreira,
1919-1920; Jânio Quadros, 1961; Dilma Rousseff, 2010-2015), que é um
milagre termos chegado até aqui. Mas Jair Bolsonaro está batendo todos
os recordes. Em oito meses de mandato, já declarou seu ódio ou desprezo
por índios, gays, transexuais, feministas, crianças,
professores, estudantes, cientistas, pesquisadores, artistas,
jornalistas, pacifistas, imigrantes, deficientes mentais, dependentes
químicos, presidiários, desaparecidos políticos, familiares de
desaparecidos políticos, ambientalistas, veganos e pessoas oriundas do
Nordeste do Brasil. Não é pouco - isso deve representar oitenta por
cento da população brasileira.
Ao mesmo tempo, vive manifestando
seu apreço e sua admiração por torturadores da ditadura militar,
milicianos (policiais corruptos que dominam e extorquem os habitantes
das favelas), chacinadores (assassinos profissionais), fabricantes de
armas, devastadores do ambiente, garimpeiros ilegais em terras
indígenas, disseminadores de agrotóxicos, exploradores do trabalho
infantil, criminosos do volante (mandou acabar com os controles de
velocidade nas estradas), censores de artes e espetáculos e promotores
de rodeios onde animais são maltratados. Sua preferência é sempre pelas
piores pessoas do país, em cuja companhia adora ser fotografado. Mas,
nesse ponto, é até coerente - porque ele próprio é uma das piores
pessoas do país.
Bolsonaro agride diariamente alguma instituição
brasileira digna de admiração. Fez isto com o Itamaraty, o nosso
ministério dos estrangeiros, cujos diplomatas sempre foram considerados
modelos em nível internacional. Fez também com a Fundação Oswaldo Cruz,
organização científica na área da pesquisa sobre o mosquito, pioneira no
mundo. Demonstrou sua cavalar insensibilidade ao nunca dizer uma
palavra de solidariedade ao Museu Nacional, tragicamente incendiado há
um ano - um museu que por 150 anos atraiu cientistas do mundo inteiro.
Bolsonaro faz tudo para humilhar o Ibama, instituto de proteção ao
ambiente, e a Funai, de proteção aos índios. E há pouco comprou briga
com os advogados brasileiros ao atacar a também mais do que centenária
OAB, Ordem dos Advogados do Brasil.
Para não falar dos países
estrangeiros, a quem ofende com olímpico desembaraço, como se o Brasil
estivesse sozinho no planeta e não dependesse de ninguém. Outro
jornalista fez há dias uma lista dos países que ele já insultou desde
que tomou posse: Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Chile, Cuba,
França, Irão, Israel, Japão, Paraguai, Noruega e Venezuela. Sobre a
Alemanha, que cancelou um fundo de milhões de euros que doava para
conter o nosso desmatamento, Bolsonaro disse que ela enfiasse o dinheiro
nas suas próprias matas. Sobre o Japão, sugeriu que os japoneses tinham
pénis pequenos. Sobre a Argentina, que é a terceira maior parceira
comercial do país, afirmou que o Brasil não precisava dela. Vamos ver o
que dirá quando esses países atingirem o Brasil no seu ponto mais
sensível - o comércio exterior.
Temos um demente no poder, capaz
de, a qualquer hora, resolver tirar as calças pela cabeça durante uma
cerimónia oficial. Os mais sensatos só esperam que, numa dessas,
Bolsonaro faça algo realmente tão absurdo, tão maluco, tão grave, que
terão de providenciar uma camisa-de-forças para ele. E, então, você
perguntará: "Mas os brasileiros não votaram nele?"
Sim. Mas quais
brasileiros? Se você tirar os milhões que só votaram em Bolsonaro porque
estavam fartos da corrupção dos quinze anos do partido de Lula no
poder, o que lhe sobraria? Apenas os fanáticos de extrema-direita, que
votariam nele de qualquer maneira e que, no Brasil, não chegam a vinte
por cento da população - menos, talvez, do que nos Estados Unidos, na
Inglaterra e na França. E que, neste momento, já são os únicos que estão
obedecendo à sua ordem de fazer cocó dia sim, dia não.
* Jornalista e escritor brasileiro, autor de livros como O Anjo Pornográfico - A Vida de Nelson Rodrigues (Tinta-da-China).
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24/08/19
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