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A Jair o que é de Nero
A temperatura desceu 13 graus nesse dia e a horda de cínicos,
curandeiros do clima ou negacionistas ao serviço da crendice ganha
alento pela voz dos chefes eleitos. Não admiraria que Bolsonaro ou Trump
usassem a temperatura desse dia para negar o aquecimento global. O
dia-que-se-fez-noite na cidade de São Paulo não se explica tão só pelo
facto de os incêndios no Brasil terem crescido 84% este ano ou por a
Amazónia ter sido a área francamente mais atingida (com 52% dos casos
identificados e com 72 mil fogos só este ano). Há muitos factores que
contribuem para um dia cinzento.
As múltiplas causas do crime que devasta a
Amazónia têm tanto de mão, fogo posto, como de voz do dono. No dia 10
de Agosto, os fazendeiros do Sudoeste do Pará, impulsionados pelas
palavras de Bolsonaro, organizaram-se para o "Dia do Fogo", queimando
vastas áreas de pasto e em processo de desflorestação. A partir desse
dia, os incêndios cresceram a um ritmo alucinante. Trump desmarca a
viagem à Dinamarca porque este país não pretende vender a Gronelândia
aos EUA, Bolsonaro insinua que as ONG estão a organizar queimadas
criminosas como vingança do dinheiro que o próprio lhes subtraiu. Trump
apelida de terroristas os manifestantes que se opõem a uma concentração
de fascistas, Bolsonaro incrimina os governadores dos estados da região
amazónica pela conivência com os incêndios e acusa o Ipam (Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazónia) de deturpar os dados oficiais sobre a
catástrofe ecológica. A cretinice acompanha o crime.
"Lá,
é época de queimada", Bolsonaro sacode a água do capote enquanto mais e
mais brasileiros percebem o perigo demencial de quem elegeram. A título
de incentivo, as declarações podem ser tão incendiárias como os fogos.
Perante a ausência de qualquer fenómeno climático, o aumento das
queimadas só pode ter a desflorestação como causa. Após a invasão de
tantas terras indígenas e depois de ter conseguido a suspensão do Fundo
Amazónia, eliminando as fundamentais contribuições da Noruega e
Alemanha, eis o momento dos negócios. Na Islândia, faz-se um funeral
simbólico pela morte do glaciar Okjokull, o primeiro a morrer entre os
400 glaciares do país que se encontram ameaçados. No Brasil, fazem-se
estimativas de 20 anos para recuperar parte do que arde diante dos
nossos olhos. Os distúrbios de personalidade são hoje uma alavanca
imediata para os negacionismos alimentados pelo povo nas urnas. Um deles
é a convicção de que isto não pode mudar. Terá que mudar, antes que
tudo acabe.
*Músico e jurista
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS
23/08/19
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