05/08/2019

MÁRIO RAMIRES

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Onde andava
 Patrícia Gaspar?

Quando o povo é deixado à sua sorte na luta contra a besta, faz impressão vermos que estamos entregues a profissionais que parecem amadores, deixando aos amadores o papel dos profissionais.

Há dois anos, no meio da tragédia dos incêndios, quando já se lamentavam dezenas de vítimas mortais e era patente a descoordenação nas forças de combate e de segurança, agravada por uma incapacidade gritante de comunicação,  o aparecimento de Patrícia Gaspar no teatro das operações permitiu restabelecer alguma confiança nas autoridades, a começar pela Autoridade Nacional da Proteção Civil (ANPC) de que passou a ser porta-voz - e incluindo o Governo, representado pela impotente e até por vezes desesperada ministra da Administração Interna e  um desesperançado secretário de Estado da tutela. 
Com educação (filha de contra-almirante) e formação militar (também oficial da Marinha portuguesa), Patrícia Gaspar foi, bem, escolhida para rosto dos briefings de informação diária, restabelecendo ordem onde imperava o caos e transmitindo uma imagem de competência e capacidade que o Estado manifestamente hipotecara.
A informação prestada com o grau de pormenor e profissionalismo exigidos pelas circunstâncias produziu efeito.
É certo que, no ano passado, o seu envolvimento nas operações de combate ao incêndio de Monchique já não causou tão boa impressão.
Mas, este ano, a repetição dos mesmos erros a todos os níveis, incluindo os da caótica comunicação, leva a questionar o seu inusitado desaparecimento. Até ontem  - reapareceu em entrevista ao Jornal Negócios e, à tarde, na SIC-Notícias para controlar os danos da distribuição às populações de golas anti-fumo inflamáveis.
Onde estava Patrícia Gaspar? Onde andou a 2.ª comandante operacional nacional?
A sucessão de ‘responsáveis’ a botar faladura sobre incêndios, alguns dos quais com evidentes dificuldades ou falta de à vontade para transmitir a indispensável confiança e ao menos aparente convicção nos trabalhos desenvolvidos só agudizam os problemas.
Quando o povo é deixado à sua sorte na luta contra a besta, faz impressão vermos que estamos entregues a profissionais que parecem amadores, deixando aos amadores o papel dos profissionais.
É chocante.
Como é chocante, roçando até o despautério, ver o primeiro-ministro em campanha eleitoral, descerrando lápides de inauguração de cinco centros de saúde, com uma alegria desconchavada ao lado da ministra Marta Temido e de autarcas ‘amigos’, e lançando sobre todos os outros autarcas o anátema da falta de limpeza das matas e florestas e das ações de prevenção dos incêndios. E isto enquanto o seu ministro da Administração Interna atira o resto das culpas para os pirómanos e para as forças de polícia e investigação que os têm de identificar e apanhar.
Um ferido com queimaduras graves em Castelo Branco demorar horas e horas para ser transferido para um hospital da capital numa operação rocambolesca em que um helicóptero do INEM começa por não conseguir poisar por falta de um técnico em terra que possa ligar um holofote de iluminação da pista é demasiado mau. E a ambulância com o mesmo ferido grave andar quatro horas às voltas até conseguir colocá-lo num outro helicóptero, já em Évora, para ser conduzido a Lisboa não é admissível.
Alguém tem de responder por tamanha incompetência e descoordenação. Que é igualmente gritante no combate aos incêndios. Basta ver os carros de bombeiros à nora, em pleno cruzamento, perguntando aos populares por onde é melhor seguirem.
Dois anos depois das tragédias de Pedrógão e dos incêndios daquele fatídico fim de semana de outubro e um ano depois da vergonha do ataque ao incêndio de Monchique, o que se passou nos últimos dias em Vila de Rei e Mação é absolutamente inaceitável.
Em dois anos, muito pouco ou nada foi feito em matéria de prevenção. 
A não ser sacudir as responsabilidades para proprietários de terrenos e para as Câmaras desprovidas de recursos para limpar baldios e propriedades de donos desconhecidos ou sem meios para pagar as operações de limpeza indispensáveis.
Vale a pena, aliás, perguntar também onde anda a unidade de missão liderada por Tiago Oliveira? É claro que o processo de reflorestação não se faz em dois anos... nem em dez. Mas, se isso já se sabe, não pode, porém, ser desculpa para que nada ou tão pouco tenha sido feito em dois anos.
Não é agora, com os fogos ativos, que os alertas são feitos. Os avisos vêm de há muito, tal como, aliás, a constatação dos atrasos nas indispensáveis medidas de prevenção e de preparação dos meios e recursos de combate.
Marcelo remeteu-se, e bem, a recatado e preocupado acompanhamento da situação. 
António Costa não, preferiu manter as ações de campanha.
No entretanto, não houve quem- como Patrícia Gaspar - garantisse informação e acompanhamento das operações com profissionalismo e autoridade.
Se houver vergonha e respeito pelas vítimas das tragédias de Pedrógão e de outubro de 2017, o Presidente tem mesmo de dar um murro na mesa e obrigar as autoridades, centrais e locais - do Governo às Câmaras -, a assumirem responsabilidades.
E lembrar-lhes que ele próprio prometeu não se recandidatar se o Estado voltasse a falhar.
P.S. - Patrícia Gaspar dá cara e voz  num anúncio televisivo da ANPC que evidencia uma capacidade comunicacional manifestamente rara entre os seus pares.
IN "SOL"
27/07/19


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