16/08/2019

ANA MARGARIDA TRIGO

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Poder 4.0 
Quem molda o mundo?

Só daqui a 50 anos será atingida a paridade entre géneros em engenharia. Prevê o FMI que 180 milhões de empregos ocupados por mulheres estão em risco de extinção em duas décadas.

Por detrás de um grande homem, está uma grande mulher. Dos dados conclui-se que por detrás de uma grande decisão, está normalmente um homem branco. Iniciei o meu percurso em tecnologia quando ingressei na universidade, em 2007. Já sabia que o mundo tech era masculino, mas a testosterona nunca me afetou, nem passei a ser mais ou menos feminina do que era. Tive apenas uma colega de curso nos cerca de 90 alunos de eletrónica industrial e de computadores. Finalizamos ambas o curso.

Em 2010, juntei-me à Women in Engineering (WIE) “Mulheres na Engenharia”. Este grupo de afinidade pertence ao IEEE (lê-se i-três-és), instituição internacional de engenharia, de reflexão científica e tecnológica. Queria fazer mais pelas gerações mais novas. Foi com a WIE que a minha curiosidade em questões de género se transformou em investigação. “Por que não há mais mulheres em engenharia?” Afinal de contas, a desigualdade entre homens e mulheres não existe. Desengane-se, as desigualdades de género existem. A meu ver, as desigualdades de expectativas são as mais difíceis de aceitarmos, enquanto sociedade. Culpo as expectativas da sociedade por não termos mais mulheres em tecnologia ou em cargos de liderança.

No meu 12º ano, frequentei aulas de espanhol para entrar em medicina, em Espanha. Como todas as minhas amigas desejavam, desde cedo, entrar no curso de medicina, deduzi que também seria um bom objetivo para mim. Os testes psicotécnicos não favoreciam as engenharias e como ainda não havia nenhum médico na família, era uma boa opção. Ainda assim, quando preenchi o formulário de ingresso, coloquei, após as opções na área da saúde, “Engenharia Eletrónica Industrial e de Computadores”. Partilhei a minha escolha com as minhas amigas. Questionaram-me porque é que eu queria ir para um meio predominantemente masculino e difícil. Dos cursos de engenharia dizia-se que era fácil entrar, mas difícil sair.

Após algumas refutações da minha parte, o discurso era: “Se queres ser engenheira, porque não vais para biomédica ou civil?”. Estavam a tentar proteger-me do que achavam ser algo que tinha tudo para correr mal para uma rapariga. Durante o curso, a vontade de desistir assolou-me. Nesses momentos, vinha-me à memória os conselhos dados sobre as minhas escolhas. Mas eu olhava à minha volta e não estava sozinha. Não era difícil para mim, rapariga. Era difícil para todos. A medicina ficou como uma lição. Temos de nos saber libertar das expectativas que a sociedade tem para sermos felizes.

Com alguma investigação mais profunda à pergunta inicial, questiono “Porque não há mais mulheres nos lugares de decisão e liderança?”. Existem questões de género comuns a qualquer área profissional. Quantas das estrelas Michelin são atribuídas a mulheres? Não crescemos a reconhecer que as mães confecionam melhores refeições?

Os “role-models” são importantes: estudos indicam que mais de metade das raparigas que seguem uma carreira em engenharia, têm alguém próximo a trabalhar em engenharia. Eu tenho o meu pai.
Olhando para trás, se enquanto adolescente soubesse da existência de uma Mary Barra, Ada Lovelace, ou Grace Hopper, jamais teria duvidado do meu percurso em engenharia e teria usufruído de outra forma do tempo que passei em aulas de espanhol.

A WIE tem o lema “Eu posso mudar o mundo. Eu sou um(a) engenheiro(a)”. Em plena 4ª revolução industrial, a engenharia e tecnologia estão a transformar o mundo, outra vez. E há decisões a tomar. Decisões sobre privacidade, inteligência artificial, veículos autónomos, entre tantas outras decisões.

Porque é importante termos mais diversidade e inclusão no desenvolvimento tecnológico e nas decisões que são tomadas neste desenvolvimento? Porque, por exemplo, os algoritmos podem ser discriminatórios. Em 2018, um especialista em machine learning da Amazon detetou uma falha no algoritmo da plataforma que tinha como objetivo facilitar o recrutamento. O conjunto de dados utilizado foi baseado nos curricula recebidos pela Amazon num período de dez anos. Após algumas iterações o sistema ensinou-se que os candidatos homens eram preferíveis. Os curricula que incluíssem a palavra “mulher” eram colocados de parte. Felizmente a falha foi detetada.

O IEEE criou a WIE em 1993, pois apenas 5% dos membros eram do sexo feminino. Em 2018, o IEEE registou 12% dos membros do sexo feminino. Entretanto passaram 25 anos de www. Estes valores são homólogos em associações de tecnologia e em cargos de liderança, seja na indústria ou em instituições. Em Portugal, 13% das instituições de ensino superior são lideradas por mulheres.

A previsão mais otimista que revi, observa que só daqui a 50 anos será atingida a paridade em engenharia. Prevê o Fundo Monetário Internacional (FMI) que 180 milhões de empregos ocupados por mulheres estão em risco de extinção em duas décadas. Podemos impulsionar a economia, promovendo profissões em tecnologia ou promovendo a participação em grupos de trabalho sobre políticas e utilização de tecnologia.

A tecnologia tem de ser desenvolvida em prol da humanidade! Não apenas por e para homens. Não apenas por e para homens brancos.

* Ana Trigo é aluna de doutoramento no programa de Sistemas Avançados de Engenharia para a Indústria, integrando uma equipa de investigação de veículos autónomos na indústria automóvel. Assume um papel ativo na promoção de engenharia e reflexão tecnológica, sendo atualmente a secretária da comissão executiva do IEEE Secção Portuguesa.

* O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.

IN "OBSERVADOR"
05/08/19

**  Humildes mas firmes os pensionistas deste blogue são sem equívocos defensores da absoluta igualdade de género.

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