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IN "OBSERVADOR"
05/08/19
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Poder 4.0
Quem molda o mundo?
Só daqui a 50 anos será atingida a paridade entre géneros em engenharia. Prevê o FMI que 180 milhões de empregos ocupados por mulheres estão em risco de extinção em duas décadas.
Por detrás de um grande homem, está uma grande mulher. Dos
dados conclui-se que por detrás de uma grande decisão, está normalmente
um homem branco. Iniciei o meu percurso em tecnologia quando ingressei
na universidade, em 2007. Já sabia que o mundo tech era
masculino, mas a testosterona nunca me afetou, nem passei a ser mais ou
menos feminina do que era. Tive apenas uma colega de curso nos cerca de
90 alunos de eletrónica industrial e de computadores. Finalizamos ambas o
curso.
Em 2010, juntei-me à Women in Engineering (WIE) “Mulheres na
Engenharia”. Este grupo de afinidade pertence ao IEEE (lê-se i-três-és),
instituição internacional de engenharia, de reflexão científica e
tecnológica. Queria fazer mais pelas gerações mais novas. Foi com a WIE
que a minha curiosidade em questões de género se transformou em
investigação. “Por que não há mais mulheres em engenharia?” Afinal de
contas, a desigualdade entre homens e mulheres não existe. Desengane-se,
as desigualdades de género existem. A meu ver, as desigualdades de
expectativas são as mais difíceis de aceitarmos, enquanto sociedade.
Culpo as expectativas da sociedade por não termos mais mulheres em
tecnologia ou em cargos de liderança.
No meu 12º ano, frequentei
aulas de espanhol para entrar em medicina, em Espanha. Como todas as
minhas amigas desejavam, desde cedo, entrar no curso de medicina, deduzi
que também seria um bom objetivo para mim. Os testes psicotécnicos não
favoreciam as engenharias e como ainda não havia nenhum médico na
família, era uma boa opção. Ainda assim, quando preenchi o formulário de
ingresso, coloquei, após as opções na área da saúde, “Engenharia
Eletrónica Industrial e de Computadores”. Partilhei a minha escolha com
as minhas amigas. Questionaram-me porque é que eu queria ir para um meio
predominantemente masculino e difícil. Dos cursos de engenharia
dizia-se que era fácil entrar, mas difícil sair.
Após algumas
refutações da minha parte, o discurso era: “Se queres ser engenheira,
porque não vais para biomédica ou civil?”. Estavam a tentar proteger-me
do que achavam ser algo que tinha tudo para correr mal para uma
rapariga. Durante o curso, a vontade de desistir assolou-me. Nesses
momentos, vinha-me à memória os conselhos dados sobre as minhas
escolhas. Mas eu olhava à minha volta e não estava sozinha. Não era
difícil para mim, rapariga. Era difícil para todos. A medicina ficou
como uma lição. Temos de nos saber libertar das expectativas que a
sociedade tem para sermos felizes.
Com alguma investigação mais
profunda à pergunta inicial, questiono “Porque não há mais mulheres nos
lugares de decisão e liderança?”. Existem questões de género comuns a
qualquer área profissional. Quantas das estrelas Michelin são atribuídas
a mulheres? Não crescemos a reconhecer que as mães confecionam melhores
refeições?
Os “role-models” são importantes: estudos indicam que
mais de metade das raparigas que seguem uma carreira em engenharia, têm
alguém próximo a trabalhar em engenharia. Eu tenho o meu pai.
Olhando
para trás, se enquanto adolescente soubesse da existência de uma Mary
Barra, Ada Lovelace, ou Grace Hopper, jamais teria duvidado do meu
percurso em engenharia e teria usufruído de outra forma do tempo que
passei em aulas de espanhol.
A WIE tem o lema “Eu posso mudar o
mundo. Eu sou um(a) engenheiro(a)”. Em plena 4ª revolução industrial, a
engenharia e tecnologia estão a transformar o mundo, outra vez. E há
decisões a tomar. Decisões sobre privacidade, inteligência artificial,
veículos autónomos, entre tantas outras decisões.
Porque é
importante termos mais diversidade e inclusão no desenvolvimento
tecnológico e nas decisões que são tomadas neste desenvolvimento?
Porque, por exemplo, os algoritmos podem ser discriminatórios. Em 2018,
um especialista em machine learning da Amazon detetou uma falha
no algoritmo da plataforma que tinha como objetivo facilitar o
recrutamento. O conjunto de dados utilizado foi baseado nos curricula
recebidos pela Amazon num período de dez anos. Após algumas iterações o
sistema ensinou-se que os candidatos homens eram preferíveis. Os
curricula que incluíssem a palavra “mulher” eram colocados de parte.
Felizmente a falha foi detetada.
O IEEE criou a WIE em 1993, pois
apenas 5% dos membros eram do sexo feminino. Em 2018, o IEEE registou
12% dos membros do sexo feminino. Entretanto passaram 25 anos de www.
Estes valores são homólogos em associações de tecnologia e em cargos de
liderança, seja na indústria ou em instituições. Em Portugal, 13% das
instituições de ensino superior são lideradas por mulheres.
A
previsão mais otimista que revi, observa que só daqui a 50 anos será
atingida a paridade em engenharia. Prevê o Fundo Monetário Internacional
(FMI) que 180 milhões de empregos ocupados por mulheres estão em risco
de extinção em duas décadas. Podemos impulsionar a economia, promovendo
profissões em tecnologia ou promovendo a participação em grupos de
trabalho sobre políticas e utilização de tecnologia.
A tecnologia tem de ser desenvolvida em prol da humanidade! Não apenas por e para homens. Não apenas por e para homens brancos.
* Ana
Trigo é aluna de doutoramento no programa de Sistemas Avançados de
Engenharia para a Indústria, integrando uma equipa de investigação de
veículos autónomos na indústria automóvel. Assume um papel ativo na
promoção de engenharia e reflexão tecnológica, sendo atualmente a
secretária da comissão executiva do IEEE Secção Portuguesa.
* O
Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar
voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo
representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da
comunidade.
IN "OBSERVADOR"
05/08/19
** Humildes mas firmes os pensionistas deste blogue são sem equívocos defensores da absoluta igualdade de género.
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