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(In)verdades da
criminalidade portuguesa
Independentemente de os números da criminalidade terem descido, estamos longe de viver numa sociedade paradisíaca
Já
faz uns meses que saíram notícias em diversos jornais aludindo à
descida dos números da criminalidade portuguesa relativamente aos crimes
violentos e graves. Estas notícias tiveram origem nas palavras do
ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que, correspondendo a
uma verdade pouco relevante, não deixam de ser “palmadinhas” nas costas
de auto-congratulação.
De facto, verificou-se uma queda
percentual bastante elevada entre 2008 e 2018 em relação à criminalidade
(apesar do aumento significativo do número de homicídios em 2018), mas
importa referir que o Relatório Anual de Segurança Interna, donde
derivaram as afirmações do governante, é limitado na medida em que não
procura aceder aos números desconhecidos da criminalidade
correspondentes aos crimes não reportados. Por outras palavras: não é
possível determinar até que ponto é que este relatório não representa
mais uma medida do funcionamento das polícias nacionais do que o estado
da criminalidade em território nacional.
O segundo aspeto a
sublinhar é o paradoxo que surge entre aquilo que é noticiado pelos
media e aquilo que é dito por Eduardo Cabrita. Não irei enumerar todos
os casos como é óbvio mas irei realçar aqueles que mais nos ficaram na
memória: os casos do ataque à Academia do Sporting e dos Hell’s Angels, a
epidemia de violência doméstica que só no início deste ano foi revelada
na sua verdadeira dimensão ao público, o posicionamento da Madeira e
dos Açores como regiões intermédias de tráfico de droga de origem
internacional para não falar ainda dos crimes mais mórbidos da nossa
terra que, embora menos frequentes, nunca poupam o macabro. Tudo isto
sem referir ainda a criminalidade de colarinho branco e a ambiental que,
apesar de não terem sido objeto do discurso do ministro, ajudam também a
compreender o que é o crime em Portugal. Paira, pois, no ar a evidência
de existirem menos crimes mas muito mais violentos e sofisticados.
Ora,
estes dois fatores dão conta de que, independentemente de os números da
criminalidade terem descido, estamos longe de viver numa sociedade
paradisíaca e pacífica como fazem crer as conclusões de Eduardo Cabrita
que mais parecem assemelhar-se à lógica (absurda) de que se está mais
rico só por se ter encontrado um euro no chão...
Não estou aqui a
anunciar o fim do mundo nem tenho por objetivo dizer que somos
equiparáveis a países de terceiro mundo. Quero antes constatar que não
foi feito o suficiente, sendo o caso da violência doméstica o indicador
máximo disso mesmo. Infelizmente vivemos numa sociedade que nem aprova
medidas preventivas eficazes (tanto para o primeiro caso como para a
reincidência) nem aprova reações musculadas a estes problemas que
assombram o nosso país. Em vez disso, preferimos fingir – e acreditar –
que o mínimo progresso é equivalente à extinção dos problemas.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
18/07/19
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