25/07/2019

HELENA ROSETA

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Reabilitação urbana 
- fim de uma lei iníqua?

Antevejo por isso uma corrida ao licenciamento de operações de reabilitação para beneficiar de um regime temporário perverso. Melhor faria o Governo se tivesse suspendido desde já a admissão de novos processos ao abrigo desse regime.

Acaba de ser publicado o Decreto-lei 95/2019, que estabelece o regime aplicável às operações de reabilitação de edifícios ou de frações autónomas e revoga vários regulamentos de estruturas, bem como o regime excepcional de reabilitação urbana criado pelo DL 53/2014, que previa a "dispensa temporária do cumprimento de algumas normas previstas em regimes especiais relativos à construção". Este último diploma foi muito criticado, nomeadamente por dispensar cumprir regras em matéria de acessibilidade, requisitos acústicos, eficiência energética ou qualidade térmica, no pressuposto de que tais normas, "por terem sido orientadas para a construção nova e não para a reabilitação de edifícios existentes" pudessem "constituir um entrave à dinamização da reabilitação urbana."

Tenho bem consciência dos custos da reabilitação e das dificuldades de ajustar edificados antigos a exigências modernas de qualidade e conforto. Mas o regime extraordinário de 2014 foi desde o início uma lei iníqua, mais preocupada com o embaratecimento da reabilitação do que com a qualidade do resultado. Deu origem a muita reabilitação completamente "fake", que esconde mazelas e riscos atrás de uma maquilhagem modernaça, desperdiçando a oportunidade de resolver as patologias e debilidades do edificado.

O caso mais emblemático é o da segurança sísmica. Bem sei que o tal regime excepcional dispunha que não se podiam "diminuir as condições de segurança e de salubridade da edificação nem a segurança estrutural e sísmica do edifício." Mas a questão em Portugal, e em especial em zonas como Lisboa, não é de "não diminuir"- é de reforçar, e com urgência, a segurança e a resiliência sísmica do tecido urbano.

É sabido que a grande oportunidade de o fazer, em edificados especialmente vulneráveis pelo tipo de construção e de solo onde estão implantados, é no momento da intervenção de reabilitação. Com o regime excepcional e o facilitismo que ele encarnou, perdeu-se esta oportunidade, com uma total inconsciência e irresponsabilidade. É pois bem-vinda a sua revogação, apesar de tardia e de ainda se admitir que até à entrada em vigor do novo regime (só em novembro) o regime excepcional se mantenha para os processos pendentes.

Antevejo por isso uma corrida ao licenciamento de operações de reabilitação para beneficiar de um regime temporário perverso. Melhor faria o Governo se tivesse suspendido desde já a admissão de novos processos ao abrigo desse regime, que desde o início se mostrou contrário à protecção da qualidade da construção e dos direitos das pessoas que a vão utilizar.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
22/07/!9

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