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* Professora universitária e investigadora
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
08/07/19
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A OIT e o tempo
de trabalho em Portugal:
que desafios futuros?
No ano em que se celebra o centenário da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de um conjunto de importantes desafios no domínio laboral em Portugal, cabe especial atenção à matéria da organização do tempo de trabalho.
Na análise global que faz do trabalho em Portugal, o relatório da OIT
sobre o Trabalho Digno em Portugal 2008-2018 evidencia as questões
relativas ao tempo de trabalho, preocupação que tem sido central na
actividade da OIT, uma vez que a primeira Convenção Internacional do
Trabalho da OIT, adotada em 1919, incidiu precisamente no tema das
limitações ao horário de trabalho (Convenção n.º 1 sobre Duração do
Trabalho, 1919). Também no nosso país, há cem anos, justamente desde
1919, também o limite máximo legal para o período normal de trabalho
diário se encontra fixado nas 8 horas de trabalho. E, desde então, as
políticas sobre organização dos tempos de trabalho têm sido uma
ferramenta essencial para os decisores políticos de todo o mundo no
desenvolvimento de regulamentação para resolver as questões das
condições laborais nos mercados do trabalho.
Em 2011, uma reunião
de peritos da OIT identificou alguns princípios importantes ao
considerar central esta temática do tempo de trabalho, incluindo: a
necessidade de impor limites diários, semanais e anuais; manter o
carácter excepcional do trabalho suplementar e a limitação do número de
horas adicionais ao definido contratualmente; o princípio de poder gozar
de um descanso semanal, que permita ao trabalhador participar
plenamente na vida familiar e social; o direito a férias anuais
remuneradas, garantindo aos trabalhadores e suas famílias um período de
descanso suficiente, se possível sem interrupções, gozadas na altura
desejada e às quais os trabalhadores não possam renunciar em troca de
compensação financeira; o reconhecimento da natureza atípica do trabalho
noturno e o seu potencial impacto negativo sobre a saúde dos
trabalhadores; a promoção de trabalho a tempo parcial livremente
escolhido, garantindo assim a igualdade de oportunidades; ter em conta
as necessidades das empresas, em especial no que respeita à introdução
de formas mais flexíveis de organização do tempo de trabalho; o
reconhecimento da importância da negociação coletiva quanto à
regulamentação do tempo de trabalho; ou, ainda, a necessidade de um
sistema de inspeção eficaz, capaz de prevenir e punir eventuais práticas
abusivas.
Ora, neste aspecto, a progressiva reconfiguração do
mercado de trabalho em Portugal nestes últimos sete anos, com o aumento
proporcional dos contratos de trabalho remunerados com salários muito
baixos, assim como a tendência para o aumento do período normal de
trabalho semanal no sector privado, que nalguns casos pode atingir as 50
ou as 60 horas semanais - situação que foi identificada pela OCDE no
estudo de 2013 "How"s Life: Measuring well-being" - serão importantes
problemas a que importa responder. Tanto mais que as alterações ao
Código do Trabalho, introduzidas quer em 2009 quer em 2012,
designadamente permitindo a realização de horas adicionais - quer em
sede de adaptabilidade quer de bancos de horas - vieram flexibilizar a
organização do tempo de trabalho no sentido de aumentar o período normal
de trabalho.
A organização do tempo de trabalho é um fator
crucial para a estabilidade dos trabalhadores e, se assim não for, estes
têm um grau de imprevisibilidade na sua vida, com naturais
consequências ao nível da sua vida pessoal e familiar. Assim, urge
considerar a centralidade da regulação do tempo de trabalho, como
garantia de condições de trabalho dignas.
Sabemos que hoje um dos
desafios que se colocam no plano laboral é o de encontrar um equilíbrio
que permita conciliar direitos de cidadania dos trabalhadores com o
aumento da capacidade de adaptação das empresas, sendo em especial a
matéria relativa à organização do tempo de trabalho decisiva para
responder a este intento.
No Código do Trabalho o regime do banco
de horas individual existe a par de um outro, muito idêntico, a
adaptabilidade individual, dado que ambos assentam na ideia de
individualização da relação de trabalho. De acordo com o "Livro Verde
sobre as Relações Laborais 2016", se em 2010 estavam em regime de
adaptabilidade individual 252 mil pessoas, em 2014 já eram 305 mil
pessoas; e se em 2012 estavam em regime banco de horas individual 11 mil
pessoas, em 2014 eram já 18 mil pessoas. Deste modo, importaria que se
consagrasse expressamente no Código do Trabalho, um conjunto de
garantias para o trabalhador, assegurando ainda, concomitantemente, à
Autoridade para as Condições de Trabalho um controlo efectivo das
condições de trabalho em matéria de tempo de trabalho. Desde logo,
entendendo-se que, em nome do princípio da dignidade pessoal e social, a
prestação de trabalho deve permitir conciliar a vida pessoal e familiar
com o trabalho, tratando-se ainda de uma exigência de proteção da saúde
e segurança no trabalho.
* Professora universitária e investigadora
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
08/07/19
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