13/06/2019

MARTA DUARTE

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O Robin dos Bosques do século XXI

Num Estado de Direito Democrático existem direitos fundamentais dos cidadãos, tais como o direito à reserva da vida privada, do domicílio e da correspondência.

Desde a detenção de Rui Pinto muito se tem falado sobre ele e as opiniões dividem-se: há quem o veja como um "criminoso", há quem o veja como um "herói nacional", tendo-se já levantado muitas vozes, incluindo de figuras públicas, que afirmam que Rui Pinto apenas serviu o interesse público, pondo a descoberto casos de corrupção no futebol.

Serão os atos, alegadamente praticados por Rui Pinto, menos graves ou mesmo dignos de louvor, por, supostamente, darem a conhecer a prática de eventuais crimes de corrupção no mundo do futebol? Muito sinceramente, considero que não.

Num Estado de Direito Democrático existem direitos fundamentais dos cidadãos, tais como o direito à reserva da vida privada, do domicílio e da correspondência, existindo igualmente regras próprias no âmbito do processo penal para a recolha e obtenção de prova quando essa recolha e obtenção possa colidir com direitos fundamentais, como é o caso das buscas e apreensões e das escutas telefónicas.

Estas regras, porque defensoras dos direitos fundamentais dos cidadãos, não podem ser "atropeladas" com a justificação de se trazer a público o conteúdo de determinados documentos e comunicações que, alegadamente põem a "nu" a prática de determinados crimes. Admitir que um cidadão, ao arrepio de todas as regras e violando direitos de terceiros, divulgue publicamente o conteúdo de documentos e comunicações é fazer "tábua rasa" de todos os direitos e regras que visam a proteção dos cidadãos e o direito a um processo justo e equitativo, pondo igualmente em causa o princípio da presunção de inocência, dado que conduz a um verdadeiro "julgamento em praça pública".

Este tipo de atuação serve o interesse na realização da justiça? Não.

Primeiro porque os documentos e comunicações divulgados com recurso à pirataria informática, porque obtidos de forma ilegal, não podem ser utilizados como prova em eventuais processos-crime. Nos termos da lei, não podem ser utilizadas em processos-crime provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem a autorização do seu titular, salvo os casos excecionais previstos. Estes casos excecionais são as conhecidas buscas, apreensões e escutas telefónicas, nestas últimas incluindo-se o correio eletrónico, sendo que todos eles têm regras próprias, tais como terem de ser, regra geral, autorizados por um juiz, têm de estar em causa determinados tipos de crime e o primeiro contacto com o seu conteúdo é reservado a determinadas pessoas que têm o dever de escrutinar os elementos que podem ter relevância para o processo, sendo destruídos os demais.

Segundo, porque, a partir do momento em que a informação é divulgada publicamente, muito dificilmente as autoridades conseguirão, posteriormente, chegar a essa informação de forma lícita e seguindo os procedimentos previstos na lei, uma vez que, com toda a probabilidade, já terá sido completamente apagada. Isto leva a que a Justiça, tantas vezes criticada, não consiga, de facto, fazer o seu trabalho, não porque a "máquina judicial" não está devidamente oleada, mas porque cidadãos comuns decidem chamar a si funções que não lhes pertencem.

Igualmente grave é o facto de se chamar à colação a liberdade de imprensa e o jornalismo de interesse público, colocando-os no mesmo patamar de sites e "blogs" que se limitam a divulgar publicamente documentos e comunicações eletrónicas sem qualquer tipo de análise critica. O verdadeiro jornalismo de investigação recorre a fontes de informação, confirmadas e reconfirmadas, devendo utilizar meios legais para a obtenção de informações, imagens ou documentos, nos quais não se incluiu a pirataria informática.

A conclusão a retirar de casos como o de Rui Pinto é a de que servem apenas o julgamento público e não o verdadeiro julgamento, que deve ter lugar nos tribunais, onde são respeitados os direitos fundamentais e onde é garantido um processo justo e equitativo. A César o que é de César!

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
06/06719

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