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*Embaixador
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS
20/06/19
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Ética política
Não seria prudente, para qualquer força partidária, suspender preventivamente de órgãos de direção quem houvesse sido objeto de uma indiciação por crime grave por parte do Ministério Público?
Os últimos anos têm vindo a consagrar um tempo saudavelmente
diferente no que toca à exigência ética requerida aos agentes políticos.
Olhando para trás, fica a sensação de que a opinião pública tolerou,
por muito tempo, certas formas desviantes de comportamento, talvez por
assumi-las como consonantes com uma cultura bastante generalizada, e até
silenciosamente aceite. O facto de raros serem aqueles cidadãos que se
podiam dar ao luxo de dizerem que nunca "meteram uma cunha" foi criando
como que uma discreta cumplicidade, face a modelos de comportamento que
não cumpriam, a 100%, as regras oficiais do jogo.
Porém,
iria ser o surgimento de acusações de maior ou menor corrupção, com
compra ou desvio de decisões, de atos de grave tráfico de influências,
com consequências deletérias para o erário público e para o equilíbrio e
legitimidade da ação dos órgãos do Estado, muitas vezes com a
emergência de súbitas e inexplicáveis fortunas, que foi gerando um
crescente ambiente de escândalo. Essa reação foi claramente potenciada
por um maior escrutínio mediático e, muito em particular, pela
divulgação sucessiva de acusações e suspeitas. A sociedade está mais
atenta e isso é bom e muito saudável para a vida democrática.
Esta
atitude de vigilância coletiva, de exigência de maior justiça,
acarreta, contudo, alguns aspetos menos sãos. Esse clamor generalizado
está a criar, frequentemente, um caldo de cultura acusatória em que não
se cuida em separar o trigo do joio, numa atitude de "não há fumo sem
fogo", em que a mera suspeita é logo transformada em labéu, mesmo que,
ao fim do dia, nada venha a ser provado. Estamos, nesses casos, perante
meras formas demagógicas de justiça popular sumária. Se, para os reais
culpados, esse preconceito acaba por ser justificado, para os inocentes
esse será sempre um peso insuportável e eterno.
A comunicação social e as redes sociais têm hoje essa dupla face: de
denúncia saudável do que está errado e, muitas vezes, de promotores de
acusações infundadas, sobre pessoas que nada devem à Justiça - apenas
numa lógica de irresponsável má língua, de potenciar da inveja, de mero
despeito, quando não do levar à prática agendas de difamação e de ódio. E
não sendo a verdade como o azeite, que rapidamente vem à tona na
transparência das águas, nesse tribunal da opinião pública raramente
funciona o motto da justiça segundo o qual "in dubio pro reo" (na
dúvida, o réu é protegido).
Este equilíbrio entre a
necessidade de divulgação das suspeitas, mesmo das acusações, e a
preservação da presunção da inocência dos indiciados, com a
possibilidade de recuperação plena da sua reputação em caso de ausência
de prova, é um desiderato social difícil de conseguir. Visivelmente, há
quem não se importe em preservar esse valor, nota-se mesmo uma espécie
de sadismo acusatório, num coro abrutalhado e demagógico, a que chega a
ser arriscado alguém objetar. Alguma comunicação social está, aliás, na
primeira linha desse comportamento.
A sociedade política
não está isenta de culpas neste terreno. Os partidos, que usufruem de um
quase monopólio de representação institucional, não podem continuar a
não tirar consequências, em tempo útil, das atitudes de quantos atuam em
seu nome. Os delitos praticados por quantos acederam a cargos por
virtude da confiança democrática dos cidadãos têm de lhes merecer uma
atenção muito particular. Sabemos quanto os principais partidos dependem
do poder autárquico e de como temem fragilizar quem, a nível local,
atua em seu nome. E também é óbvio que essas forças partem sempre do
princípio cautelar de que uma acusação não pode ser uma condenação
antecipada. Mas não seria prudente, para uma qualquer força partidária,
transmitir um sinal de respeito pelo processo judicial, com impacto
público, suspendendo preventivamente de órgãos de direção quem houvesse
sido objeto de uma indiciação por crime grave por parte do Ministério
Público? Não estaria em causa uma expulsão das fileiras, mas um mero
afastamento até tudo ficar mais claro. Ao não fazê-lo, deixam-se cair no
fácil "são todos iguais".
*Embaixador
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS
20/06/19
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